Ele chega no colo mas logo quer ir para o chão, onde fica engatinhando no meio da roda de pessoas sentadas. E ele vai de pé em pé, a exercitar o que é tão próprio dos animais, a curiosidade e a exploração, que no passado primitivo nos levaram de vale em vale e de continente em continente pelo planeta.

Depois, apoiando-se na beirada de um sofá, ele faz num instante o que levamos milênios para fazer: levanta-se, tornando-se bípede.

Dá uns passinhos se apoiando no sofá, nos olhando como a buscar apoio ou aplauso para a façanha.

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Em seguida ele olha o espaço entre as pessoas sentadas, como decerto nossos antepassados olhavam o desconhecido vale vizinho, e se aventura, tirando as mãos do sofá e dando alguns passos.

Aí cai de quatro mas logo senta no piso, como quem analisa a situação, e volta engatinhando ao sofá, revelando essência da nossa evolução, a vontade de aprender. Levanta-se com apoio do sofá e de novo aventura andar, mas cai de novo, aí chora.

É um choro curto, porque mais uma vez ele volta ao sofá, levanta-se e dá alguns passos, então sorri com o rosto ainda molhado de lágrimas, em pé como um vencedor.

Anda até uma pessoa sentada com cavaquinho no colo, e se encanta com o cavaquinho, bate na madeira, belisca as cordas, maravilhado com o som.

A mãe tenta então lhe dar papinha, ele não abre a boca, ela insiste, com a mão ele afasta a colher, em humana determinação.

A pessoa do cavaquinho começa a tocar e ele, em pé e com as mãos nos joelhos do músico sentado, fica ouvindo, paradinho como os seres humanos param diante de arte.

Depois, cansado de ficar em pé, desaba e volta a engatinhar, visitando os pés e sapatos da roda, até que alguém lhe dá uma tampa de panela e uma colher de pau. Sentado no piso, ele põe a tampa no meio das pernas e passa a bater com a colher, repetidas vezes e até no ritmo da música, tanto que alguém brinca dizendo que ensaiaram.

Em torno todos estão atentos a seu recital, até que ele enjoa de repente e fica olhando as luzes do teto, novamente tomado pela velha curiosidade. Então enfia na boca o cabo da colher de pau, a mãe quer tirar, ele não deixa, agarra de volta, bota de novo na boca. Ela quer retomar a colher, ele grita revelando a humana capacidade de protestar.

De novo com sua colher, ele bate no chão, volta a bater na tampa de panela repetidamente, bem no ritmo da música, tanto que recebe aplausos e, surpreso, sorri como agradecendo.

Mas já enjoa de arte e, engatinhando, volta à exploração dos pés das pessoas e das cadeiras, até que para, sentando e olhando para todos como a perguntar: é só isso que vocês têm pra mim?

Então alguém resolve bater foto e ele é levantado do chão para ficar no colo da mãe no centro da foto, mas que. Não quer, chora, dão-lhe carinho e agrados mas ele continua chorando, sai chorando na foto. Só para de chorar de volta ao chão, um ser voluntarioso e determinado como são os humanos.

Revê a tampa de panela, a colher de pau, mas boceja, a mãe diz que é hora dele nanar. É, fala alguém, são cheios os dias dos nenês, né.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina