Neste domingo, primeiro dia da primeira semana de um novo ano, quando ainda sofremos a pandemia num país dividido e endividado, mais que nunca é preciso uma coisa indispensável para se viver bem, que porém não pode ser comprada porque não é vendida.

É coisa que senti ao ver, numa pousada catarinense vizinha de reserva indígena, uma turma de jovens guaranis num curso ao ar livre, estudando drones para vigilância da reserva. Assim, explicaram, um vigia barato vai fotografar invasores e fornecer prova da invasão. Então senti essa coisa que não se vende, vendo cada jovem guarani com celular, lidando com ligeireza com o mundo nas mãos.

Também senti essa mesma coisa nas praias limpinhas, cheias de gente que não deixa mais lixo como há apenas uma década, parecendo outras praias e outro povo.

Igualmente senti essa coisa numa barraca de frutas na estrada, provando mangas tão saborosas, graças à ciência genética de eliminar defeitos e acentuar o sabor, me fazendo lembrar sem saudade das fiapentas mangas-rosa da infância.

Ao voltar das férias, diante do vale onde moramos, também senti forte essa coisa ao ver que as plantações, antes com apenas palmo, já estão na altura dos joelhos, graças a essa terra-vermelha que a Terra nos deu há mais de cem milhões de anos, na forma de lava que jorrou aos borbotões, esfriou, fragmentou, fertilizou-se com chuvas regulares como tantas regiões do mundo não tem.

Senti mais ainda essa coisa ao ver os noticiários tratando tanto da dívida pública, que assim se torna realmente pública e com menos chance de novamente gerar crise e desemprego.

Senti essa coisa até no ar do noticiário, nas entrelinhas das notícias, a revelar que apesar de tudo e contudo e todavia, o caminho é a democracia, podendo trocar e renovar, manter ou impichar, mas sempre dentro da lei, que é onde mora a civilização.

Sinto a coisa de novo ao ler frase de Churchill na primeira vitória depois de dois anos de guerra contra o nazismo: “Isto não é o fim. Não é nem o começo do fim. Mas talvez seja o fim do começo”.

Vou ao barbeiro e a coisa de novo me pega, ao ver como evoluíram as barbearias desde a de meu pai, onde no sábado o chão se enchia de cabelos porque não dava tempo de varrer, até que as velhas barbearias, que pareciam se extinguir, eis que o tempo trocou por salões decorados, aparelhados e com jovens barbeiros.

Passo na casa de massas e o dono diz que botou mais gente na cozinha, estão vendendo tudo que fazem, pergunto se então a crise acabou mesmo, ele diz que sim, desde que a qualidade continue, aí sinto a coisa novamente.

Sinto isso vendo que realmente continua bem quem cultivou qualidade, melhorando produtos, merecendo fidelidade, gerando empregos e renda, como tanto se diz e mais faz quem menos diz.

É principalmente por ver tão vivo esse Brasil real, que tanto trabalha quanto se transforma, que sinto essa coisa, mas é também porque a netinha começou a cantar e a menininha vizinha começou a andar, porque tudo se junta, desde nossas crianças a todo o povo do país inteiro, tudo se junta nessa coisa que precisamos ter e merecer, essa coisa indispensável chamada esperança.

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* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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