No zap o vô diz que tem um presente pra eles, os netos já chegam perguntando cadê, e ele fala que, pela primeira vez, será um presente vivo.

- É um cachorrinho, vô? – a menina arregala os olhos.

- Deve ser planta, boba – fala o menino e o vô meio que concorda, não é planta mas vem de planta.

Para de fazer suspense, vô, fala o menino, senão até perde a graça, fala a menina, então o vô vai pro quintal e aponta a goiabeira que plantaram juntos, eles lembram bem, o vô cavando a cova, depois eles regando com a chaleira da vó - e agora ali está a goiabeira mais alta que eles.

- A primeira goiaba! – o vô mostra num galho a goiaba amarelona, eles fotografam, postam, depois falam alto para si mesmos:

- Mas é uma goiaba só...

- Vai ser de quem?

- Bem – o vô fala pegando a goiaba no galho – falei que é um presente vivo mas – colhe a goiaba – agora começa a morrer.

A menina fica olhando triste a goiaba na mão do vô, fala ao menino que pode ficar a metade dela, não quer goiaba morta. O menino ri:

- Deixa de ser boboca, tudo que a gente come já morreu, fruta, legume, carne.

- Então – ela cruza os braços – não vou comer mais nada.

O vô pisca matreiro: - Na verdade, tudo está sempre vivo!

Cochicha como se contasse segredo:

- A goiaba só está passando duma forma de vida pra outra. Tudo que a gente come, continua vivendo na gente, vira teu sangue, tua carne, teus ossos...

- ...e teu cocô – emenda o menino, ela olha com nojo a goiaba.

- Mas – salva o vô – mesmo cocô vai se transformar noutra forma de vida, nada acaba!

A menina pensa que pensa até perguntar: - Que que meu cocô vai virar, vô?

- Depende – envieza o vô – Num vaso, pode até virar flor, na horta virar legume...

Ela leva o vô até o vaso sanitário:

- Aqui cocô vira o que?

O vô pensa, o menino diz que ao menos vai virar um cocô feliz, se encontrando com outros cocôs. O vô suspira fundo, diz que até o planeta é vivo:

- A Terra se mexe com as correntes marinhas, os terremotos, os furacões e os vulcões! Gente tem sangue, a Terra tem lava! Você comendo ou não a goiaba, ela vai continuar integrada ao processo infinito de degeneração e revivescência, dos átomos às galáxias, entendem?

Não, eles falam juntos, e ele desconversa lembrando de como dividir a goiaba: um corta e o outro escolhe a sua metade - mas a vó, que só ouvia, diz que vai fazer suco e pronto, assim todo mundo vai beber a goiaba. Enfim dá uma xícara de suco pra cada um, a vó recomenda tomar saboreando e a menina saboreia, diz que é o melhor suco que tomou na vida, e o vô, com bigodinho de suco, diz que é mesmo um suco muito vivo.


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* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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