Velho tropeiro me contou que, no seu tempo, tinha dois tipos de tropeiro: o que ia meio dormindo na sela, e o que ia de olhos bem abertos. Perguntei então qual era seu tipo, e ele:

- Eu ia sempre de olho aberto, pra dormir bem de noite e ter um dia bom!

Agora aqui estamos nós a trilhar um trecho triste, mas dá para ver muita coisa boa e bonita, e nem é preciso olhar com bons olhos, basta olhar bem.

A tal polarização, por exemplo, parece disputa de fanatismo e ignorância tão antagônicas quanto semelhantes, mas pode ser também princípio de bipartidarismo entre conservadores e trabalhistas (com a ressalva de que os conservadores costumam prezar o trabalho e os trabalhistas também gostam de privilégios).

Um bipartidarismo denso, da política à cultura, poderá superar melhormente o simplório duelo esquerda/direita, tornando-se jogo democrático em vez de disputa eliminatória. Embora hoje a velha política pareça sempre melar a renovação, atoleiros são parte da estrada, e os escândalos são poeirão que o tropeiro tinha de enfrentar baixando o chapéu. Já as boas novas são como o pouso encontrado com lenha seca, confortam e reanimam.

Por exemplo, entre os que abominam e os que idolatram o presidente da República, vai – que bom! - crescendo a boa visão de que nosso mal maior – além, claro, da ainda imensa desparticipação social – é esse presidencialismo de coalisão com a corrupção sempre de plantão.

Um deputado fala em Constituinte e levanta calorosa celeuma, mas o fato é que estamos em plena reforma da Constituição dia a dia, com mudanças ou tentativas de mudar a legislação em nome de conveniências, como uma Reconstituinte... Enquanto isso, aguardamos reformas que, de tão proteladas, entretanto vão se tornando mais inadiáveis, que bom.

Entre uma elite que pouco merece tantos privilégios e um povo que ainda pouco faz por si mesmo, os empreendedores e trabalhadores, do peão ao empresário, continuam criativamente em frente – não é bom?

Alardeia-se que o Agro nos salva, mas quem mais sustenta a famosa dupla Emprego e Renda são as pequenas e micro-empresas, enquanto nosso cooperativismo cresce e o ensino técnico deixou de ser só no Sistema S. Não é muito bom?

Já as cotas para candidatos negros poderão ser um resgate histórico ou mais uma chance mal aproveitada, como por muito tempo foram as cotas para candidaturas femininas? Há pouco, porém, tivemos a bela notícia de que, nas universidades, os cotistas superaram o desempenho dos demais, completando a trindade: criar, conquistar e merecer oportunidades; que bom!

E, afinal, nunca vimos tantas injustiças porque elas cresceram ou porque passamos a querer mais justiça?

Injusto seria dizer – ou pior, apostar – que não crescemos, não aprendemos e não melhoramos, evoluindo graças inclusive às desgraças. Ou, como diria o velho tropeiro, se for olhar só os defeitos, não tem mesmo jeito... mas tenteando daqui e dali e procurando rumos nas trilhas e atalhos, acabamos sempre indo em frente. Não apenas queremos como vamos mesmo deixar Brasil melhor para nossos netos.