Tudo trabalha: teu primeiro grito

começou o trabalho infinito

da fala que se faz linguagem

e em todas as bocas trabalha

*

Tudo trabalha da unha ao pulmão

e até aquele teu pelo caído

será varrido e se transformará

no caos e na alquimia do lixão

*

E mesmo antes da gente nascer

já trabalhava o velho coração

esse peão amante do trabalho

sem tirar férias e sem ter patrão

*

(Se parar o coração

a cabeça sai do ar

foge para sempre o chão

e teu ser vai trabalhar

numa outra dimensão)

*

E é engano o coração

simbolizar só amor

pois é herói sem descanso

um santo trabalhador

sempre bombeando sangue

esse líquido e por isso

sempre em liquidação:

cada vez que bate apenas

será uma vez a menos

*

Tudo é trabalhação

todas órbitas dos astros

galáxias em expansão

o trilho lento da lesma

cada qual no seu ritmo

a alegria dos lírios

a preguiça do leão

*

Aranha com suas linhas

com as flores as abelhas

galinha com seus pintinhos

riacho com suas rochas

todos no mundo trabalham

no mar no céu e no chão

*

Raiva ciúme inveja

rancor e amarguração

trabalham profundamente

mas o que salva a gente

é que silenciosamente

também trabalha o perdão

*

Da aposentadoria então

só não quero o descanso

não virar velho facão

sem uso a se enferrujar

e morrer trabalhando

após viver de trabalhar

*

Lei Também:

A cidade em transformação