Um problema não me sai da cabeça, então resolvo envernizar três velhos banquinhos descascados pelo tempo. Cultivo algumas crenças ilógicas como dar uma festa quando tudo está bem ruim, ou lidar com as mãos quando com a cabeça muito cheia.

Logo descubro que cada banquinho tem quatro pernas, cada uma com quatro lados, portanto dezesseis, que, com os também dezesseis lados das suas quatro travessas, já somam trinta e duas superfícies por pintar, fora o assento e seus suportes, ufa!

Depois descubro que cada perna do banquinho tem, a meia altura, dois sulcos de meio centímetro de largura, onde o pincel precisa ser maneiroso para não deixar falha. É a ditadura dos detalhes. E pincel muito encharcado escorre, formando bolhas de verniz, mas também, se deixar o pincel seco, o serviço não rende; e assim é preciso estar atento a cada pincelada.

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. | Foto: Acervo pessoal

Tarde demais, descubro que é melhor pintar o banquinho com os pés para cima, para não deixar respingos no piso. Lembro então do nonno José a dizer que, antes de tudo e para não acabar errando, é preciso pensar antes de começar a fazer qualquer coisa. Tenho de cobrir a mão com pano para virar o banquinho pegando num dos pés pintados, depois repintar, mas a lição vale para o segundo banquinho, e aí lembro de Darwin, a evolução é uma correção de tentativas.

Quando vejo, estou tão focado nos banquinhos que aquele problema saiu da cabeça. É uma meditação dinâmica, botando as mãos para fazer algo tão meticuloso quanto repetitivo, deixando a mente em paz.

Aí lembro que, quando rezamos, repetimos palavras que, de tão repetidas, perderam significado, mas essa repetição ritual é como anestesia mental para os males do mundo em nós. Menino perguntei a Vó Tiana porque ela rezava o terço no varanda toda tardinha, e ela sorriu: - Ah, menino, não é pra pedir nada, não, é só porque faz tão bem...

Lembro também que trabalhar com as mãos com atenção é a base dos hobbies, que podem ser tão intensos quanto passageiros. Como quando na adolescência me apaixonei por colecionar moedas (e coleções não deixam de ser repetição de uma mesma coisa na sua variedade), depois nem lembro a quem um dia dei minha numismática coleção.

Mas os hobbies também podem ser permanentemente terapêuticos. Minha mãe amava cuidar de samambaias, cujos ramos desciam de altos vasos para chegar ao piso da sala, então ela guiava as folhas para subirem em si mesmas, parecendo uma cascata verde. Um dia, disse a ela que samambaias e avencas estão entre as plantas mais antigas da Terra, e ela disse que deviam ser mesmo, de tão sensíveis que são, algumas murchavam quando elogiadas por gente invejosa...

O verniz é tão escuro que os banquinhos não parecem envernizados e sim pintados de marrom. Mas ficaram brilhantes, velhos banquinhos prontos para uma nova vida. Aí me vem à cabeça como resolver aquele problema que esqueci cuidando dos banquinhos.

Então: depressão, tédio, desânimo? Problemas enrolados que não parecem ter por onde pegar para desenrolar? Bote as mãos para trabalhar no que o coração mandar, mesmo que seja só pintar banquinhos...