Mesmo fora de vista, basta eu pegar coleira e ela se assanha, parece querer voar de tanto que o rabo se agita.

E lá vamos nós, a caminho da lagoa, ela de focinho alto, pronta para aventura, ou de focinho baixo, farejando os mil cheirinhos do chão e talvez até sabendo quem terá passado por aqui.

A coleira bem simboliza a relação gente-cão, nos une e nos prende um ao outro em mútua adoção.

Se ela vê outro cão, estica a coleira, quer investir rosnando, para acabar se apresentando com a usual cheiração de rabo e de focinho.

Minha cachorra, ou melhor, a cachorra que convive comigo, é um ser de paz, e não estragará com briga seu melhor momento, o passeio com quem ama e por quem é amada. Ela sabe bem disso porque lhe falo isso todo dia, apesar de ela ainda não entender minha língua, mas entende sentimento muito bem, os olhos falando e o rabo confirmando.

Eis que chegamos à lagoa e ali na beirada estão os gansos, em quem ela antes investia, fugiam para a água, ela continuava com passo senhoril como dona do pedaço... Até o dia em que gansa fez ninho, com ovos, e a “dona do pedaço” foi recebida pelo ganso furioso de bico aberto e asas ruflando, então ela enfiou o rabo no meio das pernas, recuou e nunca mais avançou para os gansos. Tem inteligência emocional.

Visita chega, ela late como brava guardiã, como se jamais fosse aceitar a pessoa, a quem logo vai cheirar e pedir carinho se esfregando na perna.

Quando trouxemos uma gata, filhote ainda, ela rosnou e a gatinha se ouriçou, mas acariciamos as duas, apresentamos com voz boa e, num minuto, depois das respectivas cheirações, tornaram-se amigas que só. Dividem tapetes, acariciam-se roçando de passagem, a gata gosta de beber na vasilha da cachorra, que gosta da ração da gata. Um casal convivial.

Faço fogueira, ela deita ao lado olhando o fogo, como devem ter feito os primeiros cães a seguir as tribos humanas. Olhamos a lua, digo seu nome, mesmo deitada ela abana o rabo, digo que temos uma bela convivência, de respeito e carinho, ela abana mais e mais o rabo, estamos entendidos.

Imagem ilustrativa da imagem Passeando com coleira
| Foto: DP

Ela entende apenas algumas palavras da língua portuguesa - não, aqui, quieta, passear, comida - mas entende os tons de voz e os estados de espírito melhor que muita gente. Se estou triste, ela percebe e se entristece. Se alegre, alegra-se também, abanando o rabo e até pulando ou girando de alegria.

Outro dia me espantou com o que parece ser o propalado sexto sentido canino para as doenças humanas. Estava eu sentado diante da fogueira, quando ela passou a me lamber os dedos e esfregar focinho na mão. E olhava com olhar de alerta, como querendo dar algum aviso. Quando entrei em casa, peguei o medidor de pressão e vi que estava bem baixa. Mas estou bem, falei, e ela ficou muito alegre.

Há quem diga que o evidente amor canino é só expressão de viciosa dependência por quem lhes dá comida e casa.

Há também quem diga que cães são assim porque nos amam, humanizando-se.

Pois basta olhar nos olhos do cão para ver que, se não é amor o que se vê ali, que será o amor?