Se fundamental é mesmo o amor, conforme Vinicius, e me perdoem os tímidos, mas falar também é muito fundamental. Até porque já é pela boca que sai nossa primeira comunicação, o choro do nascimento.

.
. | Foto: Acervo familiar

Iara, netinha de três anos, está naquela fase da fala em que cada nova palavra é uma excitante descoberta, enquanto as palavras já sabidas são usadas com muito gosto: - Conta história, vó! E a vó lhe conta histórias de livros ilustrados, mas ela ouve olhando mais para a boca de onde saem as palavras. Fica feliz a cada nova palavra que fala e é reconhecida pelos outros, descobrindo através dos ouvidos que a língua cria laços.

Quatro dos nossos cinco sentidos estão na cabeça, e, numa disputa de méritos, a boca poderia dizer que, além de abrigar o paladar na língua e a mastigação nos dentes, usa também as bochechas e os pulmões para fazer a fala. A linguagem dos gestos é ancestral, as posturas também falam por nós, os olhares falam silenciosamente, como os ambientes falam de quem vive neles, mas campeã de comunicação parece ser a fala, já desde que as cantigas de roda mexem com o corpo e destravam as bocas.

Um dos antes-e-depois de minha vida foi fazer teatro no colegial, aprendendo a falar e ouvir. Depois vi que na vida a ferramenta que mais usamos é a voz, junto, claro, com os ouvidos, até porque aprende-se a falar ouvindo. Falar/ouvir é fundamental para trabalhar, conviver, empreender, entender, tanto consolar quanto comemorar.

Os que sabem falar/ouvir entendem e mudam o mundo. Com a fala ganham atenção, amizades e causas, ganham votos com a voz antes mesmo das ideias ou dos abraços, enquanto quem não sabe falar não é eleito (embora, claro, bem falar seja também, e antes de tudo, ter o que dizer e conhecer o assunto, além de pensar no que diz; não é fácil).

Já o celular é a onipresente consagração do milenar levar-longe a voz, primeiro por telégrafo e rádio, tevê e telefone e finalmente satélites. E eis que a pandemia consagrou a voz, casada com a imagem, em video-conferências e lives e videos e áudios e podcasts, vivemos num concerto de vozes.

Agora, ouvir a netinha falar novas palavras é como conversar com a espécie humana, lembrando que a escrita é tão recente quanto a fala é antiga, os impérios se formaram a partir de suas línguas, como o comércio e a indústria se criaram antes da escrita, e as religiões tem seus livros sagrados mas as igrejas enchem é para se ouvir falar de Deus e cantar. E Jesus nada deixou escrito.

Por tudo isso, o vô vibra quando a netinha pede; - Faz teatro, vô! – e o vô faz caretas e mímica, canta e dança, brincando com a voz que não só bota bibop no samba como também tamborim. Há muito se sabe que é na primeira infância que o cérebro mais se desenvolve, e a menininha falante é evidência disso, tudo ouvindo encantada, falando para si mesma, cantando pedaços de canções, conversando com os bichos e as coisas, querendo mais é falar e falar mais, uma criança a brincar com o mais educativo e maior dos brinquedos. Então fala, menina, que o futuro te escuta!

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.