A primeira paixão é repentina, dominante e educativa.

Repentina porque você até pode conhecer antes a pessoa, ter convivido com ela, mas é de repente que começa a sentir a paixão.

Eu tinha entre quinze e dezesseis anos quando a turma do colégio excursionou ao Rio de Janeiro. No ônibus, chegamos a cantar até o centésimo elefante incomodar muita gente. No Rio, as meninas, todas já com corpo de mulher, foram ver cinema e teatro, e os meninos, alguns até já com pretensiosos bigodes, foram bater perna naquela cidade surpreendente, mas no dia seguinte fomos todos à praia.

Então ela escreveu o próprio nome com o dedão do pé na areia molhada diante das ondas, eu fiquei olhando, aí ela escreveu meu nome também, em grandes letras que uma ondinha veio desmanchar. Ela continuou a caminhar com a turma pela praia, e eu fui atrás já apaixonado, pisando nas suas pegadas.

Passei a só pensar nela, porque a paixão é dominante, ocupa a mente feito elefante em quitinete. Um amigo até estranhou eu sossegar o adolescente trepidante para, de repente, me tornar um moço romântico, de olhar perdido nas próprias profundezas ou olhando para ela de esguelha.

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. | Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação

Na viagem de volta, não cantei nem que dois elefantes incomodam muita gente. De volta também às aulas, continuei sentando lá no fundo mas mirando sua nuca lá na frente. Sofria tanto que o amigo falou ser melhor pedir em namoro logo: se ela topasse, eu ficaria feliz, ou, senão, sofreria mais mas esqueceria. Achei muito sábio e também aliviante, pois a paixão também sufoca.

Emparelhei com ela na saída da escola, as amigas se adiantaram, e como zagueiro que chega de sola, falei que precisava falar uma coisa para ela, que só pensava nela, ela não me saía da cabeça, e ela até parou para ouvir de boca aberta. Falei que só pensava nela, sim, desde aquele dia em que ela tinha escrito nossos nomes na praia, e ela ficou piscando se lembrando. Enfim engoliu e, espantada, disse que nunca tinha pensando em mim como... como... Namorado, falei, e ela balançou a cabeça para os lados, nem precisando de palavras, só balançou devagar a cabeça e eu fui olhando os próprios pés, nem vi quando já não mais andávamos juntos.

Depois passei dias comendo só maçãs, da manhã à noite, nada mais além de água. Não queria almoçar, recusava jantar, nem mesmo um lanche tentador, só queria morder tristemente e mastigar solenemente rubras maçãs escolhidas amorosamente na quitanda. Não sei se escolhi maçãs devido a Adão e Eva ou devido à cor rubra da paixão, sei é que minha mãe, depois da estranheza virar aflição, ligou para meu amigo que então foi me visitar com um resto de conhaque, que tomamos com guaraná.

Acabamos numa brincadeira dançante onde vi que continuavam a existir outras garotas, e, no café da manhã, minha mãe ficou feliz me vendo sem maçã nas mãos. Que bom, falou, se eu continuasse comendo só maçã, ia me levar no médico. Passou? - falou com a mão na minha cabeça, e eu só balancei a cabeça para cima e para baixo.

Paixões passam, aprendi, mas têm seu preço, nunca mais gostei de maçãs.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da FOLHA.

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