O inferno são os outros, escreveu Sartre. Mais azedo que ele, Albert Camus também visitou o Brasil e escreveu o livro Diário de Viagem, onde lamenta desde o clima até as festas que lhe fizeram. Chega a lastimar que todos ouviam “um negro que compõe todos os sambas que o país inteiro canta”, Dorival Caymmi...

Com muitas observações assim, Camus revela uma presunção europeia que o cegou para o Brasil. Veio não para ver um novo país e conhecer outra gente, mas para julgar tudo com olhos de francês superior.

Ao contrário dele, o também francês Claude Levi-Strauss escreveu sobre suas viagens pelo Brasil o monumental Tristes Trópicos, onde há trechos assim sobre Londrina em 1935:

“Os emigrantes estavam inteiramente entregues às alegrias da abundância; famílias da Pomerânia ou da Ucrânia, que ainda não tinham tido tempo de construir casas, partilhando com o gado um coberto de tábuas armado junto do riacho, cantavam essa gleba milagrosa cujo ardor fora necessário quebrar primeiro, como se tratasse dum cavalo selvagem, a fim de que o milho e o algodão frutificassem em lugar de se tornarem vegetação luxuriante. Um cultivador alemão chorava de alegria mostrando-nos o pequeno bosque de limoeiros nascido de algumas sementes.”

Camus olhava para julgar; Levi-Strauss, para entender.

Não à toa, Levi-Strauss reinventou a antropologia, ao ver e revelar que todas as civilizações, desde as tidas como avançadas até as vistas como primitivas, pautam-se por estruturas sociais semelhantes. O cacique não difere do primeiro-ministro ou do presidente da república. O ritual indígena não é oposto às celebrações religiosas, é a mesma coisa apenas com outra roupagem.

Assim, os valores ditos civilizados não são diferentes nem melhores do que os do índio visto como primitivo; e o problema para todos é praticar esses valores, como bem apontou Jesus. Ou como diz o caboclo:

- Pra sê feliz é priciso antes desejá a felicidade dosotro, memo nimigo. E, pra sê infeliz, é só cê desejá mal prosotro, com inveja, ciúme, intriga, que tudo isso vorta procê memo como rancô e margura, roendo por dentro quinem cupim. E infim cê fica vazio quinem madera que cupim furô...

Primeira música de sucesso de Gilberto Gil, Louvação, com letra de Torquato Neto, começava assim: “Meu povo, preste atenção / repare se estou errado / louvando o que vem merece / deixando o ruim de lado”.

A música louva também “o jardim que se planta / pra ver crescer a roseira / e a canção que se canta / pra chamar a primavera” – na crença de que as coisas melhoram quando se faz por merecer. Ou conforme o caboclo:

- Osostro pode sê um inferno procê, si ocê só vê o ruim nosotro. Se ocê percura vê o bom nosotro, cê só mióra e osostro mióra procê... Tem quem tem medo de abeia, achando que vai picá, e tem quem ama abeia porque faz mé...

Ao contrário do que escreveu Sartre, os outros podem ser o paraíso.