Aquela amoreira era perfeita: de tão carregados, os galhos faziam o favor de curvar até o chão, roxeados de amoras ao alcance da mão. Só tinha um defeito a amoreira, era no quintal vizinho.

Um galho quase alcançava o muro, de onde os dois meninos olhavam encarapitados.

Esticando braço, outro braço agarrando o muro, conseguiram pegar umas amoras, engoliram e depois ficaram olhando o grande desperdício da amoreira.

Então, sem precisar falar, trocaram olhar e resolveram escorregar muro abaixo para o lado de lá, a casa não tinha cachorro.

Amoras : maduras em galho
Amoras : maduras em galho | Foto: Wikipédia.org/ Reprodução

Pegaram amoras de olho nos olhos da casa, as janelas, até acharem melhor subir na amoreira para não ser vistos; e a amoreira era perfeita até nisso, os galhos como uma escada e pronto, estavam no alto rodeados de amoras.

Encheram a boca, depois passaram a pegar só as mais maduras, que era só tocar com o dedo e caíam na palma da mão.

Mas, de repente, a dona da casa apareceu ali abaixo deles, estendendo no chão um grande pano branco todo salpicado de manchinhas roxas de amoras caídas. Daí olhou para cima e viu os dois macaquinhos mudos olhando longe, falou com voz distante:

- Então nossa amoreira tem visitas... – e cantarolou – Bom dia!

Eles resmungaram bom-dia, um disse que tinham chegado ali agorinha mesmo, ainda não tinham nem pegado amora nenhuma.

- Então – ela cantarolou – como os dedos ficaram assim?

Eles olharam os dedos roxos de amora, ela riu dizendo peguem à vontade, triste é amora caída. O outro menino disse que era neto da vizinha, e ela:

- Que bom, então vão levar pra ela um pote de geléia que vamos fazer. Agora chacoalhem um galho por vez!

Ela foi mudando o pano de lugar e despejando num cesto as amoras caídas de cada galho. Depois disse venham, eles desceram da amoreira e foram atrás dela. Na cozinha, ela disse sentem e eles sentaram, ficaram vendo ela lavar as amoras, dizendo que uns perdem tempão tirando os cabinhos, pra que se o liquidificador vai dar conta deles?

Despejou a calda do liquidificador numa panela com açúcar e limão, chamou os dois ao fogão, mostrou como deviam mexer na panela com a colher de pau, depois que começasse a borbulhar – e foi sentar tricotando.

Eles ficaram se olhando e ela só tricotava, sem nem olhar para eles, então trocaram mais olhares concluindo que deviam ficar ali, ou que é que ela diria à vó? Quando a panela começou as primeiras borbulhas, ela ouviu ou adivinhou, disse comecem a mexer sempre, geléia de amora é assim – e continuou tricotando.

Décadas depois, sempre que eles se encontram, um pergunta como-vai, o outro responde:

- Sempre mexendo a calda.

- Depois de dar conta dos cabinhos – completa o outro.

Lembram de como colocaram a geléia no pote, fechando a tampa e virando de boca para baixo: o calor desinfeta, ela segredou: cada coisa tem seu jeito certo, a ferramenta certa. Então eles sempre repetem:

- Do jeito certo com a ferramenta certa.

Lembram que ela levou os dois ao portão, com o pote de geléia, falou que podiam voltar sempre, pelo portão, e acenou:

- E digam a sua vô que a geléia vocês que fizeram!