Caçando o celular com ele no bolso, lembro de Leminski, que dizia sempre se lembrar de que era muito esquecido. Aí lembro que a História, embora filha da memória, deve muito aos esquecimentos.

Para não ser esquecido, sete séculos antes de Cristo o rei Creso, da Lídia, mandou cunhar a própria cara nas primeiras moedas do mundo, criando o dinheiro que geraria o comércio e os impostos etcétera.

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Trabalhação

Em Waterloo, Napoleão esqueceu que soldados extenuados não lutam bem, e, no dia da batalha, com o inimigo já posicionado desde o dia anterior, mandou seu já cansado exército marchar horas em terreno encharcado até o localda batalha. Perdeu a batalha mas não seria esquecido como exemplo de que a prepotência esquece a prudência e a arrogância é desastrosa.

Os faraós queriam não ser esquecidos e não foram, com suas pirâmides e múmias sustentando o turismo, maior fonte de renda do Egito. (Mas da Antiguidade quem se perpetuaria mesmo seria Jesus, que nada deixou além de palavras e atitudes...)

Quantos monumentos para tantos poderosos formam uma galeria mundial de culto aos heróis, quase sempre homens, políticos e militares. Aqui e ali há um monumento grupal, como o Monumento às Bandeiras em São Paulo. Na escultura criada por Brecheret em 1920, quando ainda nem se falava em diversidade, uma grande canoa é puxada por índios, negros, brancos e mamelucos, mestiços de índios com brancos, prenunciando o país mestiço que as bandeiras, bem ou mal, abriram.

Mas esse monumento, antes visto apenas como exaltador das primeiras conquistas nacionais, hoje também é visto como esquecedor da escravidão e do genocídio indígenas que as bandeiras causaram. Mas não é exaltação e sim integração o que se vê no monumento, com suas 32 figuras caminhando na mesma direção, e também se vê determinação, pois quase todos partilham do mesmo esforço - ou fingem, pois a corda que muitos puxam está frouxa... e só quem parece se esforçar mesmo é um último índio empurrando a popa. À frente, dois cavaleiros nem empurram nem puxam, liderando, e todo esse conjunto tem muito da realidade social da época.

Mas uma índia marcha amamentando nenê, sinal de que estava apresada, ou seja, o monumento não omite e sim expõe a escravidão. Brecheret não esqueceu de ninguém, por isso seu monumento é tão grande quanto precioso nos detalhes, e só pode ser visto como racista por visão preguiçosa ou ideologicamente cega.

Afinal, só lembramos do que olhamos bem. Vem daí a maior epidemia do mundo, a ideologia e suas cepas de esquerda e direita, com seus iguais sintomas de nada olhar bem e também esquecer tudo que a realidade mostrar contrariamente. Afinal, ninguém quer lembrar do que não queria ver, embora a realidade continue existindo como é, por mais que seja travestida com narrativas.

E agora há quem creia serem as marchas bandeirantes, somadas, maiores que as marchas de Júlio César ou Alexandre. Só por isso já mereceriam ser lembradas como nesse monumento que tem frente, fundo e laterais, como convite a não esquecer de olhar tudo por todos os lados.

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.