Muitos meninos do meu tempo, nos anos 1950, não falavam o verbo amar, era coisa só para se ouvir no cinema. Era algo que eu também lia nos romances, mas não parecia coisa de se meter na minha vida, não; nós devíamos ser durões, e o tal verbo amar parecia coisa de quem é tomado pelos sentimentos e assim perde a fibra dos heróis.

Na tela, Tarzan não dizia amar Jane, e nos gibis Mandrake arrastava um noivado sem fim com a princesa Lorna, sem carinhos ou palavras de amor. E os mocinhos enfrentavam os bandidos para defender o bem, não por amar os oprimidos.

No catecismo o padre ensinava devoção, dizendo que Jesus tinha morrido para nos salvar, reforçando a crença de que o mundo da fé precisava de mártires contra o mundo do mal, como no cinema o mundo do bem precisava dos mocinhos contra os bandidos. Amor era algo abstrato, emoção sem cheiro nem cor, e os meninos que falavam o verbo amar eram vistos como quem não merecesse sentar no nosso carrinho de rolemã ou jogar bétis com nossos cabos de vassoura.

Amar era enfim coisa para as meninas, que brincavam de passa-anel enquanto a gente brincava de pique-salva.

Depois, rapazolas e moços, começamos a conquistar as mocinhas e moças, reservando porém o verbo amar apenas para aquela que nos deixasse apaixonados de destravar a boca e confessar receosos nosso amor, sussurrando “te amo” no ouvido, como se o amor precisasse ficar escondido, como se o verbo amar pudesse corroer o amor. E casamos amando pouco, ao menos da boca para fora, e tivemos filhos, a quem continuamos a tratar como refratários ao verbo amar, substituído pelo verbo gostar acrescido do advérbio muito. Lembro de amigo que, num aniversário, temendo recusa, ajoelhou-se para dizer: Fulana, estou gostando muito de você, quer namorar comigo?

Ela nem disse não, apenas balançou a cabeça e ele levantou sem nem olhar mais para ela, e levou o ego ferido para encher a cara na mesa de ponche. Depois de já bem bebinho, na saída da festa interpelou:

- Você não quer namorar porque? Pensei que gostava de mim!

- Gosto – ela sorriu triste – Mas não amo.

Com os netos Caetano e Lucca
Com os netos Caetano e Lucca | Foto: Dalva Vidotte/ Divulgação

Nossa turminha de machos encucou com aquilo: então, para ter o coração delas, era preciso amar!? Depois, o sexo nos confundiu mais ainda, nos deixando achar que bastava conquistar e gozar para ser homens. Se fosse possível voltar no tempo, numa pesquisa de namoros e casamentos, desconfio que os que menos usaram o verbo amar foram os mais usados pelo sexo sem amor.

Tive filhos e com eles ainda continuei sem falar o verbo amar, até que os netos, educados por mães e avós amorosas, falassem o verbo amar com naturalidade, sem receio nem contenção, usado para me derreter, “te amo, vô”, ou usado até para qualquer coisa, “amo açaí!” E assim meus netos me ensinaram o verbo amar, inclusive na seu significado mais ancestral, de que amar é, primeiro, compreender, e, depois, cuidar.

É preciso amar o verbo amar para amar as pessoas.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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