Por falar em paixão, como diria Vinicius, eis que o calor traz o tempo de pesca mas a teia de aranha continuou no molinete. A paixão pela pesca se foi como veio, de repente. Para quem não passava semana sem ir a pesqueiro, é uma mudança e tanto e, em vez de lamentar, comemoro. Pois se tudo passa e tudo passará, conforme a canção, passe pois essa paixão sem entretanto levar as boas lembranças.

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Que glória foi menino fisgar o primeiro peixe no Rio Sussuí, o vô gritando segura, guri, segura firme, a linha correndo pela água e o coração batendo como nunca antes.

Na praia, o maior peixe foi um robalo, que na areia molhada ficou se debatendo com inesquecível beleza e dignidade. Assei aquele peixe em braseiro, e esta lembrança lembra que a paixão por churrasco também passou. Eis assim como é poderosa a paixão, no envolver e dominar, como é mestra no desprendimento de passar e esquecer (embora haja também as paixões que sempre continuam na forma de manias...).

E há paixões que deixam marcas no corpo e na alma. São as chamadas paixões avassaladoras, aquelas que nos fazem vassalos, que mandam na pessoa e lhe tiram o juízo, como é a paixão por jogo. É triste ver trabalhador a perguntar o preço do leite, coçando a cabeça e decidindo enfim comprar mais um bilhete de loteria, só paixão explica.

Uma ciência das paixões decerto seria já prejudicada pelo fato de se dedicar a algo tão incorpóreo e entretanto tão presente. Mas decerto tal ciência também haveria de comprovar alguns princípios passionários.

Antes de tudo, só se apaixona quem quer viver mais, quem quer acrescentar à vida, continuar esta aventura. Mesmo a paixão pela morte, como do cineasta José Mojica Marins e do poeta Augusto dos Anjos, é fonte de vida na forma de arte.

Paixão é pra frente, mesmo quando é por exemplo paixão por arqueologia, a História dos fósseis e ruínas. O arqueólogo desenterra com carinhoso cuidado cada pedacinho de osso, desvendando o passado para o futuro.

Além disso, a paixão é o mais intenso estimulante e revigorante, basta lembrar Romeu subindo à sacada de Julieta ou Quixote se lançando contra os moinhos de vento, o ser apaixonado vive em ebulição.

Mais ainda, devemos à paixão o começo da civilização, quando macho e fêmea se escolheram entre tantos, formando casal, compartilhando fogueiras e filhos, criando a primeira das nossas inovações, a família permanente.

Também devemos à paixão o renascimento pós-paixão, redescobrindo que é perfeitamente possível sobreviver sem aquilo que parecia tão vital. Fechando os olhos, tão apenas na infância revejo as paixões pelas búricas, pelos gibis, pelos bilboquês, pelos piões, pelos papagaios e pelos bambolês, todas tão avassaladoras quanto passageiras.

E, como um neto se apaixonou por pesca também de repente, dou-he as varas e a caixa de tralha, inclusive com o canivete que menino ganhei de vô Manoel na primeira pescaria. Espero que ele tenha sorte nas pescarias, aprendendo e crescendo com esta e outras paixões, olhando os tombos como troféus e as cicatrizes como conquistas. Pesque por mim, guri!

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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