Queria dizer que estou de saco cheio mas não vou dizer porque seria feio.

Poderia dizer que estou com um certo spleen, aquele misto de melancolia e tédio de Baudelaire, aquele poeta francês que levava a tartaruga pra passear.

Eu poderia levar Branquinha pra passear, ela até já abana o rabo captando a ideia, mas doutor Ciático me proibiu caminhadas.

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Então já faz tempinho que caminho na hidroginástica, pedalo na água a flutuar sentado em palitões de isopor, meu mundo bípede confinado num pedaço de piscina.

A bares dei adeus há tempo, e também o tempo foi me levando a achar que ficar em casa é o melhor programa.

Quando lido no quintal, molho de suor o macacão e enxaguo de gosto a alma, mas agora a chuva molhou tudo por lá, melhor ficar em casa, nosso pedaço de mundo.

Podia fazer a janta, ouvindo músicas do celular, mas estou sem qualquer apetite - e também decido me vingar da falta de cultura do streaming. Pois em cada faixa falta informar quem fez o arranjo e quem foram os músicos, quem são os autores, os dados culturais enfim. Leio rótulo do que entra pela boca, quero conhecer também o que entra pelos ouvidos. Então hoje, streaming não!

Também resolvo não ver a mesmice da tevê aberta, hoje não verei o que nossos poderes públicos podem fazer por si mesmos, nem quero ver o que estamos fazendo com o planeta, nem saber onde e como estão ocorrendo os desastres de sempre.

Também não vou ver o canal de filmes, em represália por tantas logomarcas antes de cada filme! Antigamente, no século 20, filme começava com uma só logomarca, da Paramount, da Metro, da Columbia, da Condor...

Agora, não: é sempre um desfile de meia dúzia de logomarcas, muitas tão animadas, com tantos efeitos especiais que até penso já ter começado o filme e era só mais uma super-logomarca, tantas que acabaram enjoando. O anjinho diz que elas representam a globalização do cinema, mas o diabinho diz que chega de procurar entre dezenas de filmes para descobrir mais um filme chato, então hoje não.

Também não vou ler no celular aquele resenhista que só informava o nome do filme depois de longos e barrocos parágrafos, transformando um serviço em suplício. (Decerto porque não era repreendido pelos leitores, por não ser possível postar comentários, só recentemente ele passou a revelar o título do filme já no primeiro parágrafo, aleluia.)

Então fazer o quê? Resta pensar. Penso, logo existo, pespegou Pascal. Mas pensar o que? Ou apenas lembrar, já que a lembrança é o tipo de pensamento mais folgado, sem qualquer compromisso com necessidades do presente ou incertezas do futuro.

E eis que estou quase indo para a rede ver o tempo passar, quando Dalva pergunta se estou pronto. Pronto pra que, pergunto, e ela pergunta se esqueci que vamos jantar com casal de amigos, além de depois ir pegar a filha que vai chegar de viagem.

Caio das nuvens do meu spleen e lá vou de volta para a vida, e aliás na volta para casa podemos comprar pamonhas de que a filha tanto gosta. O spleen que vá coçar macaco.

...

A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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