Meio-dia é quando as sombras ficam redondinhas debaixo das árvores, e o ar parece pedir para o dia não passar ou será tarde demais, e é tarde já ao meio-dia e um minuto. Então penso na vida, como se diz, e, aos 74 porém com nada que pareça querer me levar já, me sinto feliz.

Aliás, acho que sempre fui feliz pois mesmo os momentos ruins serviram para evoluir. Creio que a vida é evolução constante, com sua cota de mortandade e dor, claro, ou não seria vida. Se evolução não fosse sempre a meta, a rocha não se transformaria em areia - e ainda estaríamos quebrando coquinhos com a primeira das máquinas, que acabou em museu na Alemanha (é uma pedrona chata com buraquinho no meio, onde colocar coquinhos para quebrar com outra pedra; o buraquinho era para o coquinho não rolar antes da pancada).

Meu tempo mais próprio para a infelicidade seria, conforme psicologia, a metade da infância e adolescência pois com pais separados. Mas que! A separação deles me apresentou mais três cidades além de Londrina, Assis, Cornélio Procópio e Marília, nesta os três anos de que mais lembra essa senhora incorruptível, a saudade.

Lembro dos amigos não como na foto, com seus primeiros paletós e gravatas, mas em outros ambientes, a piscina, o salão de baile do clube, o footing na praça da igreja. Alguns eu via todo dia, outros só nos bailes ou nas brincadeiras dançantes, e como éramos animados! – no sentido mesmo da ânima grega, que é alma. A única comparação é com o bando de maritacas que acaba de pousar grasnando aqui numa árvore vizinha. Parecem já anunciar que a tarde continuará gostosa, com sol e nuvens, propícia para lidar com o quintal mais tardezinha.

Acredito, não só com a cabeça mas com todo o corpo, que lidar com terra, mesmo que em pequeno jardim ou horta, liga a gente não só à natureza como a nossa história ancestral e aos gens mais antigos.

Cuidar mesmo que de apenas um vaso nos liga à Terra e ao Tempo, creio nisto por só me sentir pleno se tenho tempo para o quintal, como para os bichos domésticos, a conversa muda com os passarinhos, a apreciação da dança das nuvens e as carícias do vento.

E nunca houve tantas farmácias! Há doze só na Avenida Higienópolis em Londrina, certamente porque muita gente vem comendo mal e vivendo desterrada.

A leitura de Pertencimento, de bell hooks (ela escreve seu nome assim) reforça a noção, filha da informação e da intuição, de que sentir-se parte de um lugar é chave para a vida plena.

Apesar das cidades paulistas de areião onde menino e rapazola fui tão feliz, minha terra é a vermelha. Vou pro quintal com as mãos prontas para se sujar, ou melhor, para se benzer com a terra, o macacão a lembrar que a vaidade fica em casa quando lidamos com a horta, e o espírito se fortalece com os pequeninos, a erva daninha arrancada com amor, a borboleta que visita as flores, a formiga que leva cargas tão pesadas porque acredita na vida.

Olho na foto amigos que nunca mais vi, e de coração entrego a cada um estas flores preciosas, a saudade do bom passado e a alegria do bom presente.

Grupo de amigos aos 13 anos, Domingos Pellegrini é o de óculos
Grupo de amigos aos 13 anos, Domingos Pellegrini é o de óculos | Foto: Acervo pessoal

* A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.