Compro humus e um jovem leva ao carro os dois sacos de vinte quilos, digo-lhe que hoje não consigo mais carregar peso assim porque, na idade dele, carreguei muito peso assim. Ele fica me olhando na dúvida se é brincadeira, digo que é sério:

- Quando temos a força da juventude, topamos carregar peso porque só com a idade vamos saber o mal que causará para a coluna.

Para colocar os sacos no carro, ele inclina com os quarenta quilos nos ombros, digo que é o pior movimento para a coluna. Conto que, depois de mais um de tantos exames de ressonância da minha coluna, a medicina me recomendou abandonar picareta, pá, enxada, carriola, meus ajudantes de lida no quintal, a coisa que eu mais gostava de fazer.

Imagem ilustrativa da imagem Crônica da coluna
| Foto: iStock

Ele passa a me olhar como pessoa, digo que cuidar do nosso cantinho, tardezinha, tornou-se pra mim uma gostosa missão diária, com direito às primeiras estrelas e depois o melhor dos banhos lavando suor. Ele sorri concordando, conto-lhe o que o médico me contou:

- Quando a gente é jovem, é forte e acha que pode mais do que deve, então pegamos peso, levantamos peso, carregamos peso, muitas vezes gemendo, o corpo geme e não ouvimos! E trabalhamos em posturas tortas, torturando a coluna, comprimindo com o peso os discos entre as vértebras. Isso não seria problema se a coluna vertebral não fosse uma caixa óssea protetora da medula, de onde saem os nervos para todo o corpo...

Repito ao jovem o que o velho médico falou jovialmente:

- Os nervos, saindo da medula, tem de passar pelos seus respectivos buracos na coluna, e, se as vértebras vão apertando os nervos, eles levam dores para o corpo e até paralisias. A ressonância mostra que, se piorar, o caminho será cirurgia, mas o senhor pode ficar como está se aposentar a picareta e não carregar mais nem as compras de casa.

O jovem me olha com piedade e fala abrindo os braços: - Mas que é que faço então? Trago um saco de cada vez?

Ou traz numa carriola, digo mansamente e ele fecha o porta-malas dizendo obrigado, sem porém olhar nos olhos. Aí de repente lembra que a carriola estava ocupada, é, senão teria usado, e sorri acenando quando parto.

O jovem vai tomar jeito, diz um saco de humus, nosso velho foi convincente. Vai não, diz o outro saco de humus, vai continuar do mesmo jeito até não ter mais jeito, como aliás já fez o nosso velho.

- É, os humanos são teimosos, e tem até um ditado pra isso, o cachimbo entorta a boca.

- E faça o que eu digo e não o que eu faço.

- Peco bastante primeiro, pra depois poder dizer quanto mal faz.

Esse provérbio não conheço, diz o outro, mas o primeiro saco se fecha. Eu é que abro a boca, de espanto, quando tempo depois volto para comprar mais humus e... eis o jovem a levar dois sacos nos ombros, do mesmo jeitinho.

Não perde por esperar, diz o diabinho. Deus queira que não, fala o anjinho. Enquanto o jovem não dá sinal de me reconhecer, lembro dos pobres saqueiros que carregaram a riqueza da cafeicultura. Lembro também que, conforme o médico, a coluna vertebral é uma catedral óssea, então me sinto alto; consola.

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