“O tempo passa e atravessa as avenidas”, cantou Taiguara, “e o fruto cresce e pesa, enverga o velho pé” - e, com o tempo, o corpo passa a falar. O inchaço no joelho, por exemplo, está dizendo que devo comer menos doce. O tempo fala pelas rugas, pela cintura, pelos cabelos...

Os fios brancos faz tempo vem me tecendo os cabelos, até a grisalhice virar cã. É como era chamada a cabeça branca a.C. (antes do Celular), quando os idosos viviam menos e Alzheimer era chamado de caduquice.

Melhor cabeça branca que careca, diz um amigo sem cabelos, enquanto, coisas da genética, outro amigo setentão exibe uma bela cabeleira branca. A minha raleou mas não se entregou, fios heróicos ainda resistem nas entradas, e toda manhã lhes digo ao espelho: muito bem, rapazes, considerem o embranquecimento como medalhas e vamos em frente!

Amigo médico diz que o encanecimento pode ser devido não só à idade mas também à alimentação e estresse, então lembro de Vô João, que não tinha cabelos brancos quando foi para a Revolução de 32 e, quando voltou apenas meses depois, só tinha cabelos brancos para o resto da vida. Contava que, nas trincheiras, comiam uma gororoba tipo mistura-tudo com farinha, e, como faltava água para lavar os pratos de estanho, eles eram lambidos pelos porcos que campeavam por ali.

Aliás, vô João contava tantas histórias de sofrimento e bravura que parecia ter durado anos aquela revolução que durou apenas três meses. Uma noite, quando ele narrava mais alguns heroísmos, alguém perguntou a seu genro Luiz Zanotto, meu tio Zizo:

- Zizo, você também esteve na revolução e nunca conta nada, por que?

- Porque – tio Zizo respondeu – eu não minto.

Também não minto se disser que, com os cabelos brancos, ganhei dois benefícios. Tenho direito a meia entrada e vaga de estacionamento, embora meu cartão já esteja vencido (aliás, por que será precisa ser renovado? Por que posso rejuvenescer?).

Os que não me veem há muito, ao ver se dividem em dois tipos: os gentis, que me dizem charmoso, e os sinceros que dizem lembrar de mim antigamente...

Dom Pedro II
Dom Pedro II | Foto: Mathew Brady/ Wikipédia/ Domínio Público

Espero que os cabelos brancos sinalizem sabedoria, como em Dom Pedro II, que seria um tipo ímpar neste tempo de polarizações. No país da mais longa escravidão moderna, era abolicionista. Monarca, era no entanto republicano, tanto que, embora podendo, nem resistiu ao golpe militar que instalou a república. Chefe do Poder Moderador de então, manteve o Brasil unido e realmente foi mestre em modos e moderação, além de ser exemplo de cidadania, um dos poucos senão único governante a sempre diminuir despesas pessoais e da sua Casa Imperial ao longo de décadas.

Por falar em décadas, se você acha que isto nada tem a ver com você, saiba que o título desta crônica era Meus Cabelos Brancos, mas para serem nossos cabelos brancos é só uma questão de tempo, não é mesmo? Embora você possa retrucar que, por dentro, ainda podemos sempre ser crianças. Dom Pedro mesmo, mesmo com cabelos brancos, apreciava piqueniques, e eu, com os netos, mais me torno criança quanto mais tenho cabelos brancos.