Diante da fragorosa imensidão das Cataratas do Iguaçu, como não lembrar daquele baixinho que nos legou isso?

Em 1916 Santos Dumont, que os franceses chamavam de Santôs e era celebridade em todo o mundo, visitava a Argentina e foi convidado a visitar as cataratas. Foi e, dali mesmo, depois foi a Curitiba propor ao governador do Paraná criar um parque público ali, desapropriando as terras em redor. Porque, disse logo ao hoteleiro que o levou por picada na mata, vendo as cataratas via também que aquilo não podia ser propriedade particular, tinha de ser um parque público.

Para chegar ao governador Afonso Camargo em Curitiba, o homenzinho gigante viajou dias em lombo de burro, e mais alguns dias de carro e de trem, com a mesma persistência obstinada e sem medo com que pilotara perigosos balões e os primeiros aeroplanos. Era o maior ídolo brasileiro e, com a mesma transparência com que divulgava nos jornais os projetos de suas invenções, comunicou à imprensa sua visão. Assim muito divulgada, a ideia do parque se tornou interessante para os políticos, de modo que três meses depois os 185 mil hectares já eram declarados de utilidade pública, mas o parque só seria efetivado mesmo em 1939 pelo presidente Getúlio Vargas.

Enquanto, por exemplo, nos Estados Unidos as Cataratas do Niágara já rendiam muito desde meados do século 19, aqui só um século depois as águas do Iguaçu passaram a mover turismo.

Santôs decerto ia gostar de ver que sua visão gerou um parque público mesmo, recebendo gente de todo o mundo aos milhões todo ano. Mas, até para coerência com esse padrinho, o turismo ali parece carecer de criatividade, a começar pela sua prosaica estátua com quem os turistas batem fotos. Arrisco que ele gostaria mais de uma estátua de metros de altura, não dele mesmo mas, digamos, de seu peculiar chapéu de abas curvas, por onde até nenês pudessem passar engatinhando, com elevador para levar até cadeirantes a mirante no alto do chapéu.

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. | Foto: Reprodução

Delírio? Mas desconfio que ele ia gostar, o baixinho em cuja casa em Petrópolis as cadeiras tinham dois metros de altura, com o garçom tendo de subir em banquinho para servir a mesa...

Ah, que tristeza dá saber que o brasileiro de que mais me orgulho, por sua humanidade, matou-se desgostoso com a humanidade. Mas, decerto, se visitasse o parque hoje ele sentiria orgulho de sua visão encantar e sustentar tanta gente.

E, decerto novamente, ele ia gostar de saber que a população de onças está aumentando na mata do parque, depois de quase se extinguir devido à caça. Fico matutando que graça tem matar um bicho tão bonito, e onde o caçador exibirá seu troféu, no seu quarto fechado como os milionários que compram Van Gogh para guardar em cofres?

Em Tupi, Iguaçu é “água grande”, Itaipu é “pedra que canta”. E a catarata parece cantar que, Santôs, aquele imenso homenzinho, simboliza a esperança e o desencanto, a desgraça e a graça do ser humano. Mas acredito que, como a História mostra, a desgraça vai raleando e a graça aumentando. O desencanto morreu com Santôs, mas sua visão vive que só vendo.

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A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina

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