Que beleza a clareza e a densidade de um arranjo musical bem feito, me arrepio ouvindo Diana Krall cantar o clássico pop California Dreamin', que ouvi pela primeira vez aos dezesseis anos. Ouço pelo celular, num aplicativo que não dá crédito autoral a ninguém além do intérprete e o título da música, uma pobreza cultural do streaming. Os LPs geralmente tinham apenas capa, que porém podiam nos brindar com uma bela foto do artista e informações preciosas na contracapa. Depois os CDs continuaram a trazer mais imagens e informações, alguns até se tornando cults por isso. Mas nisso o streaming musical, como no aplicativo que acesso, não é só pobre, é miserável. Ou será que eu é que não sei acessar isso?

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Mas é um belo avanço poder escolher ou achar um bom som e, sem precisar procurar mais, seguem-se músicas da mesma vertente com direito a ótimas surpresas e descobertas. Streaming é um barato até no preço, embora os intérpretes reclamem que recebem apenas centavos.

Fui criado em volta de vitrola desde os dez anos e diante de tevê depois dos doze, telespectador da então começante TV Coroados, “a primeira do interior do Brasil”. Gosto de me orgulhar das empresas que honram nossa terra com bom desempenho, indispensável para permanência no mercado. Tenho saudade de tantas que quebraram, enquanto também creio que isso foi bom, mercados sadios tem de ter renovação.

Me mantive sem celular enquanto pude, para enfim o iPhone me conquistar com banco digital e streaming. Aliás, vale ver na Netflix a série Som na Faixa, documentário contando a história de criação da Spotfy, narrada pelo próprio criador, desde a primeira ideia, a primeira sede e o primeiro pessoal, a montagem do sistema, a explosão do faturamento, como acontece com tantas bigtecs – que porém também quebram como em qualquer setor algumas empresas sempre quebram, a diferença é que agora grandes empresas podem quebrar bem rapidinho...

Volta e meia alguém lembra da rede Orkut, penso que bom seria se só ela tivesse fanado, pois o cemitério tec já é imenso. Mas novos empregos também surgem como espumas na crista das ondas, para criadores, operadores, programadores, gerenciadores, vendedores, no fundo tudo como nas empregas antigas.

O que parece ter mudado mesmo é que, para nossas fontes de informação e diversão, os celulares e tevês e rádios, compramos muita coisa que não tem mais solidez alguma, são só “apps”. Com uma caixinha de som de apenas palmo de tamanho, o som é melhor que das grandes caixas de som que se empilhavam no palco do Grêmio Literário e Recreativo, onde pela primeira vez aos 16 anos vi uma orquestra tocar, a Orquestra do Gervásio.

Quase furei de tanto ouvir os LPs triplos de Woodstock, e agradeço muito ter vivido num tempo que nos deu Mamas and the Papas, Peter-Paul-and-Mary, Bob Dylan, Beatles, Stones, Elis, Ella Fitzgerald, Eliane Elias, Sinatra, Cauby, Duke Ellington, Charlie Mingus, Tom Jobim e Paulinho da Viola, e agora sou muito grato por ter essa gente toda cantando para mim com som de encher a alma.

Usei calças boca-de-sino, dancei rock com a Jovem Guarda, não perdia um O Fino da Bossa, agora ouço a Sinfônica de São Paulo na TV Cultura e, se pudesse escolher, gostaria não só de morrer dormindo mas também sonhando e, no sonho, ouvindo música.