Congresso encolhido
Ministro do Supremo, Lewandowski, suprimiu um trecho da Lei das Estatais, que havia sido aprovado pela maioria da Câmara e do Senado em 2016
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 22 de março de 2023
Ministro do Supremo, Lewandowski, suprimiu um trecho da Lei das Estatais, que havia sido aprovado pela maioria da Câmara e do Senado em 2016
Alexandre Garcia
O Poder Legislativo é o primeiro dos poderes, como mostra a ordem em que se encontra, no segundo artigo da Constituição. É por meio dele que o povo exerce o poder, como diz o parágrafo anterior ao artigo segundo. Decisivo, portanto, para a democracia. No entanto, o Legislativo, por vontade própria, se diminui, se encolhe, parece assustado ante os outros dois poderes. Agora mesmo, um Ministro do Supremo, Lewandowski, suprimiu um trecho da Lei das Estatais, que havia sido aprovado pela maioria da Câmara e do Senado em 2016 - a proibição de Ministros e Secretários estaduais ou municipais de serem guindados ao conselho ou direção de estatais. Um único ministro do Supremo se mostra mais poderoso que centenas de congressistas.
A Lei das Estatais foi um dos grandes avanços pela moralização das empresas públicas, e veio motivada pelos escândalos apurados na Lava Jato, que atingiram a Petrobras e a Caixa Econômica, entre outras. Agora é essa lei moralizadora que está sendo vítima de cirurgias castrando sua proteção contra a apropriação das estatais. Para que o ex-integrante da campanha de Lula, Aloísio Mercadante, fosse Presidente do BNDES e o Senador Jean Paul Prates presidisse a Petrobras, reduziram a quarentena de 3 anos para 30 dias. Agora o PCdoB obteve a liminar de Lewandowski para que o ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara possa ser nomeado presidente do Banco do Nordeste. Lembro-me do tempo em que os jornais fiscalizavam essas coisas e nós, jornalistas, adjetivávamos isso como casuísmo. E também lembro de que a oposição fiscalizava, pressionando as decisões de plenário e as mesas da Câmara e do Senado. Eram tempos em que assuntos políticos se decidiam nos plenários do legislativo federal, onde os representantes do povo exerciam seu poder de tomar decisões.
Hoje, ao menor indício de que pelo voto não vão decidir, ou a maioria vai ganhar, correm ao Supremo, como um menino ameaçado na escola corre para saia da mãe. E o Supremo atende. Em outros tempos, o Supremo respondia que era assunto interno do Legislativo, usando uma expressão latina: interna corporis. A senadora Soraya Thronicke recorre ao Supremo por sua CPI do 8 de janeiro, agora só com 15 assinaturas confirmadas, sugerindo mais uma interferência do STF, como aconteceu com a CPI da Covid. O Senador Alessandro Vieira também está no Supremo pedindo para o Judiciário decidir uma questão interna do Legislativo, sobre tramitação de Medida Provisória, num embate entre Câmara e Senado.
O Ministro Fux, quando assumiu a presidência do Supremo, advertiu que entrar em assuntos políticos que devam ser resolvidos nos plenários políticos do Congresso é desgastar o Supremo. Mas quem mais se desgasta é o Legislativo, à mercê do Executivo por liberações de emendas, e à mercê do Supremo, porque é o tribunal que julga deputados e senadores. Parece uma "operação casada”: o juiz do Supremo, que é julgado pelo Senado, é o mesmo que julga o senador ou o deputado. Desse empate é impossível gerar os pesos e contrapesos idealizados por Montesquieu. Se deputados e senadores fossem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, como governadores e desembargadores, talvez se desatasse o nó. Ao que assistimos é o Legislativo se encolhendo como o último dos poderes. Isso põe em perigo a democracia, porque não consegue representar a origem do poder, que é o povo.
A opinião do colunista não reflete, necessariamente, a da FOLHA