Os cartazes fixados nas paredes de uma das salas do Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), na zona leste de Londrina, foram escritos nesta terça-feira (8), por mulheres acolhidas na ação “Uma Segura a Mão da Outra”, realizada por meio do projeto de extensão Mulheres Construindo Democracia, do Departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina), em parceria com as secretarias municipais de Políticas para as Mulheres, Assistência Social e de Educação.

A professora da UEL e coordenadora do projeto, Silvana Mariano, comenta que, além do café da manhã e das atividades educativas e de autocuidado, uma roda de conversa foi conduzida sob o tema “Ressignificando Vidas”. “A ideia desta ação é produzir um espaço de escuta e acolhida, em que essas mulheres possam se expressar e compartilhar experiências. Muitas vezes, a necessidade das pessoas em situação de rua é ter esse momento em que são vistas, reconhecidas”, afirma.

O evento realizado neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, buscou contemplar mulheres que frequentemente são invisibilizadas, já que é uma data relativa a todas as mulheres. “As mulheres que vivem nas ruas são minoria em comparação aos homens e vivem situações particulares, de violências de várias ordens, especialmente a sexual”, comenta.

A coordenadora do Centro POP, Ana Paula Jacinto, cita que dos 100 atendimentos realizados diariamente, cerca de 15 são mulheres, sendo a maioria na faixa etária dos 40 anos e com uma bagagem muito grande de rua, isto é, vivendo há mais de 10 anos nessa situação.

Imagem ilustrativa da imagem 'Uma Segura a Mão da Outra' no Dia Internacional da Mulher
| Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

'VOCÊ JÁ PENSOU COMO É VIVER ASSIM?'

Andreza Cristina de Vasconcelos, 46, que vive há mais de 25 anos nas ruas de Londrina, conta que é usuária de drogas e lamenta a falta de um abrigo para mulheres na cidade. No cartaz, ela escreveu: "Nós mulheres precisamos de mais atenção”. “Me mantenho na rua porque não tem um abrigo para nós. Eu fico triste de falar sobre isso, mas a verdade é que eu procuro ter força, mas nas horas que a gente chega no nosso limite, eu vou atrás da droga. Você já pensou como é viver assim? Ter que pedir comida na porta da casa das pessoas e a cada dia dormir em um lugar?”, desabafa.

No Centro POP, além de banho, café da manhã e kits de higiene, homens e mulheres são encaminhados para os serviços da rede municipal de saúde, assistência social, educação, entre outros. Eles também são convidados a participar das atividades coletivas promovidas pela pedagoga Geocélia Alves Ribeiro. “Nosso papel é que essas mulheres se tornem visíveis à toda sociedade e não somente nos serviços da rede municipal”, comenta.

Todo o trabalho conjunto, especialmente o da secretaria de Assistência Social, tem resultado em histórias de superação. Segundo Jacinto, cerca de 100 famílias são acompanhadas pelo Centro POP atualmente. “São pessoas que não fazem mais a rua como espaço de moradia, mas precisam de ajuda para esse amadurecimento. É um trabalho para que eles não voltem à essa situação”, explica.

'ESTOU TENTANDO RETOMAR MINHA VIDA'

É o caso de Ana Paula da Silva Reis, 36, que viveu nas ruas durante dois anos. O motivo da saída de casa foram as brigas com a avó e a violência do ex-marido. “Tenho três filhos e fiquei sem eles. Nunca me envolvi com drogas, mas eu simplesmente não conseguia mais voltar para casa. Hoje, arrumei um lugar para morar, participo das atividades aqui e estou tentando retomar minha vida”, relata Reis, que não escreveu um cartaz, mas deixou sua mensagem: “Não é fácil sair da rua. Tem muitas mães perdendo familiares e filhos. Hoje me sinto feliz, desejando arrumar um trabalho e uma casa própria”, diz.

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CONSTRUINDO CIDADANIA

Iniciado em 2020, o projeto de extensão Mulheres Construindo Democracia veio como resposta a uma solicitação do CMDM (Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres). Atualmente, a iniciativa conta com 18 integrantes, entre docentes, discentes de graduação e pós-graduação e colaboradoras externas.

As atividades do projeto incluem a realização de rodas de conversa para mulheres atendidas pelo Centro POP, enfocando temas como empoderamento, autonomia e direitos das mulheres. A professora Silvana Mariano, que coordena o projeto, diz que a questão da violência é sempre o tema central das narrativas. “A violência está, muitas vezes, na origem da ida dessas mulheres para as ruas, local onde há uma continuidade dessa violência, só que praticada por outros agentes. E o desprezo que a sociedade tem com essa população só faz aumentar o ciclo de violência, de dependência das drogas”, ressalta.

Em parceria com o Ceasa/PR, o Mulheres Construindo Democracia também promove oficinas para mulheres egressas do sistema prisional, que cumprem penas alternativas atuando no âmbito do projeto Comida Boa, do Governo do Estado do Paraná. Além disso, as ações realizadas também abrangem cursos oferecidos a mulheres de diferentes segmentos sociais sobre tópicos como cidadania, participação nos processos eleitorais, atuação político-partidária e formação de conselheiras e conselheiros municipais.

Questionada se as demandas das mulheres vêm ganhando mais voz e espaço nos últimos anos, Mariano avalia que há um movimento contraditório. “Ao mesmo tempo em que conquistamos mais voz e reconhecimento, vejo que isso produz um efeito ‘chicote’, com a reação de grupos de pessoas que ainda se contrapõem aos direitos da mulher. Quanto mais a gente amplia, mais forte é a resistência contra nós”, pontua. (Com N.Com)

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