Pesquisadoras do Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal da UEL (Universidade Estadual de Londrina) estudam um grupo de macacos-prego (Sapajus nigritus)) que utilizam ferramentas (rochas) para auxiliar na alimentação. O comportamento é habitual em alguns grupos, porém inédito nesta espécie em questão.

O grupo ocupa um resquício de Mata Atlântica existente no Parque Municipal Arthur Thomas, na zona leste de Londrina, onde foram identificados até agora 205 sítios de quebra, ou seja, locais onde os animais costumam levar frutos, sementes e rochas para as refeições.

CASCALHOS E ROCHEDOS

Imagens feitas por pesquisadores demonstram que os animais utilizam cascalhos e rochedos de vários tamanhos para quebrar, por exemplo, sementes de palmeira, encontradas em quantidade nos mais de 80 hectares do parque. A dieta dos animais também inclui plantas, raízes, folhas e pequenos vertebrados.

Os pesquisadores conseguiram filmar os animais em ação, inclusive carregando pedras equivalentes ao peso corpóreo, o que evidencia a habilidade dos macacos e a clara intenção de quebrar os frutos para chegar à semente.

O comportamento do grupo é tema da dissertação de mestrado da bióloga Julia dos Santos Gutierrez, do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (PPGCB), orientada pela professora Ana Paula Vidotto Magnoni, que coordena o Laboratório de Ecologia e Comportamento Animal.

Segundo o estudo, o uso de ferramentas por macacos é vastamente documentado em outras espécies de primatas, seja para escavação, sondagem ou quebra de frutos – o mais comum.

A descoberta do comportamento deste grupo do Arthur Thomas data de 1998, quando foram desenvolvidos os primeiros estudos com estes animais, no CCB (Centro de Ciências Biológicas). A pesquisa mais recente joga luz a evidências levantadas anteriormente, com riqueza de detalhes e rigor científico.

O comportamento dos animais é tema de dissertação de mestrado da bióloga Julia dos Santos Gutierrez, orientada pela professora Ana Paula Vidotto Magnoni
O comportamento dos animais é tema de dissertação de mestrado da bióloga Julia dos Santos Gutierrez, orientada pela professora Ana Paula Vidotto Magnoni | Foto: Divulgação - Agência UEL

A pesquisadora constatou o comportamento em observações e filmagens, conseguindo identificar os sítios, que trazem marcas, ferramentas e fragmentos de sementes processadas. A pesquisa identificou a princípio três espécies vegetais distintas – macaúba (Acrocomia aculeata), jerivá (Syagrus romanzoffiana) e amendoeira ou sete-copas (Terminalia catappa). Para ela, o estudo nessa população é importante por ser a única da espécie em que há registro de uso espontâneo de ferramentas de quebra.

ENTENDER A EVOLUÇÃO HUMANA

Segundo a professora Magnoni, conhecer o comportamento de grupos de macacos ajuda a compreender melhor a própria evolução da espécie humana. Ela explica que o macaco-prego, em especial, tem uma proporção entre volume cerebral e tamanho corporal alta, atrás apenas da espécie humana. Dessa forma, não é surpresa que os animais busquem alternativas para auxiliar ou facilitar a alimentação.

Outro fato que evidencia a importância do estudo desse grupo é que os macacos-prego são encontrados na América do Sul. Vários grupos de pesquisadores têm desenvolvido estudos para compreender melhor o comportamento desses animais, tão curiosos quanto inteligentes.

DERRUBA HIPÓTESE

Ainda de acordo com a professora, outro estudo muito parecido feito por pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), com macacos-prego que habitam o cerrado e a caatinga, demonstrou habilidade semelhante. Os animais também usam pedras para quebrar frutos e sementes.

Acreditava-se que as ferramentas serviam para facilitar a alimentação em locais onde não existia abundância de frutas e sementes. O caso do grupo do parque de Londrina derruba essa hipótese. Apesar da mata estar em um fragmento urbano e em um ambiente alterado, existe abundância de alimentos.

LEIA TAMBÉM:

= Animais surpreendem visitantes no Parque Arthur Thomas

= UEL orienta comunidade sobre convívio com macacos-pregos

INTENCIONALIDADE NAS ATITUDES

O estudo das habilidades das várias espécies de macacos, de acordo com a professora, demonstraram que estes animais têm intencionalidade nas atitudes. E que, em nome disso, desenvolvem habilidades como coordenação motora, equilíbrio e força.

Um exemplo é o caso de um macaco prego do grupo do Arthur Thomas, flagrado levantando uma pedra de mais de 3,5 quilos – praticamente o peso do seu corpo. “As imagens deixam claro que se trata de um animal com grande noção corporal, que sabe como empregar a força”, esclarece.

PESQUISADORA DA UCLA

O caso dos animais de Londrina chamou a atenção de uma das maiores autoridades no estudo do comportamento de primatas. A pesquisadora Jessica Ward Lynch, do Institute for Society and Genetics and Departament of Anthropology, da Universidade da California em Los Angeles, nos EUA, estará na cidade a partir de 28 de outubro para participar de uma observação in loco dos animais.

Além de vir à cidade e ver de perto o grupo de macacos prego, a professora norte americana será a convidada para uma palestra direcionada a estudantes e pesquisadores sobre o trabalho que desenvolve com primatas.

A conferência integra as comemorações do aniversário de 50 anos do curso de Ciências Biológicas da UEL e será realizada no dia 31 de outubro, às 17h, no Anfiteatro Cyro Grossi. Ainda no Paraná, a professora participará do 39º Encontro Anual de Etologia, que será realizado de 1º a 4 de novembro, em Curitiba.

IDENTIFICAÇÃO DO GRUPO

Em sua dissertação de mestrado, a bióloga Julia dos Santos Gutierrez aborda que o uso de ferramentas ocorre em diferentes grupos de primatas. Existem registros em chimpanzés, gorilas, macacos de cauda longa e macacos-prego.

Segundo o estudo, a massa corporal dos macacos é um fator que influencia na eficiência do uso de ferramentas. Indivíduos com maior massa corporal, que na maioria são os machos, são capazes de utilizar ferramentas mais pesadas e produzir batidas mais eficazes.

As rochas utilizadas para quebra de sementes e frutos podem variar em relação ao tamanho e peso, podendo pesar até mais de 1kg, material pesado para um animal que pesa menos de 4kg.

Além de mapear e levantar em detalhes os hábitos alimentares dos macacos que habitam o Arthur Thomas, a mestranda pretende quantificar e identificar todos os exemplares do grupo.

Trabalho semelhante foi feito no Campus da UEL, onde um grupo de 38 primatas ocupa atualmente a mata e resquícios de fragmentos existentes nos mais de 150 hectares de área. A contagem prevê um censo para levantar exatamente quantos macacos existem no grupo. Uma das hipóteses é que nem todos os primatas utilizem pedras para quebrar frutos e sementes, uma técnica que, como está descrito no estudo, depende da habilidade que os indivíduos possuem em desenvolver novas tradições aliada à disponibilidade de recursos no meio. (Com informações da Agência UEL)

¨¨

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1