Quatro em cada cinco famílias de potenciais doadores de órgãos ou tecidos no Paraná autorizam o procedimento. A taxa (80% de permissão) está acima da média do Brasil, em que 54% das pessoas autorizam a doação.

A informação foi repassada pela coordenadora da organização de procura de órgãos de Londrina, Emanuelle Fiorio Zocoler, durante o encerramento da campanha Setembro Verde no HU (Hospital Universitário), realizada na manhã desta terça-feira (27). A data também é lembrada como Dia Nacional da Doação de Órgãos

“Estamos com queda na taxa de recusa. Além do treinamento dos profissionais na abordagem, realizamos muitos eventos e mantemos a educação permanente das comunidades dos hospitais para que acolham bem essas famílias para pacientes que abrem protocolo de morte cerebral e de pacientes com diagnóstico de morte”, disse Zocoler, justificando o alto índice.

Ela explicou que o corpo de captação de doações esclarece as famílias sobre todo o procedimento de internamento. “É nessa hora que é oportunizada a doação de órgãos. Tudo o que era preciso para o ente dela foi feito e infelizmente o desfecho não foi favorável. Uma família bem atendida e bem esclarecida doa os órgãos do seu ente”, afirmou.

FILA DE ESPERA

Segundo a coordenadora, a fila de pessoas esperando um órgão ou tecido no Brasil é de 50 mil pessoas e no Paraná este número está em 2,8 mil. No Estado as doações, que já atingiram 41 pmp (por milhão de população) em 2020, hoje está em 38 pmp. “Houve uma queda, mesmo assim o Paraná é líder nacional de doações. Também é líder de transplante de rins e fígado" afirmou ela, dizendo que não há dados específicos de Londrina. "Mas temos 11 potenciais doadores na cidade por mês.”

Ela ressaltou que órgãos como o fígado e os rins não têm idade limite para doação. “Essas doações podem ser de qualquer idade, dependendo dos exames. Já o coração e o pulmão têm outros critérios. O coração e o pulmão devem ser doados até 50 anos. O paciente não pode estar muito tempo entubado e não pode estar muito tempo parado”, destacou.

Imagem ilustrativa da imagem Quatro em cada cinco famílias autorizam doação de órgãos no Paraná
| Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

ASSUNTO EM CASA

O Coordenador de enfermagem da Cihdott (Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante) do HU de Londrina, Carlos Aparecido de Oliveira, declarou que o mais importante nesse processo é que as famílias devem falar sobre o assunto em casa. “Quando isso ocorre há mais possibilidade de que a doação se concretize. Quando há morte encefálica na UTI, se as famílias não conversam sobre o assunto, temos muita dificuldade de fazer essa captação, porque quem autoriza a doação é a família de primeiro e segundo grau.” Ele reforçou que das 50 mil pessoas que aguardam doação de órgãos ou tecidos no Brasil, mais de mil são crianças.

Durante o encerramento da campanha Setembro Verde, pacientes beneficiados com a doação e familiares que autorização o gesto deram depoimentos. Confira:

DOAÇÕES DE UMA BAILARINA

A bibliotecária Maria Luiza Perez, 62, contou que em 2001 a filha Mariana tinha 15 anos e foi a uma aula de balé para nunca mais voltar para casa. “No dia 13 de novembro de 2001 ela estava fazendo um ensaio para uma apresentação de fim de ano. Ela tombou ao lado e não levantou mais. Quando ligaram avisando que ela estava sendo encaminhada ao hospital, achei que era uma entorse. No hospital, vi que estava toda entubada e os exames constataram que teve um AVCI (Acidente Vascular Cerebral Isquêmico). Ela durou só mais 36 horas e na madrugada do dia 15 de novembro foi constatada a morte cerebral dela.”

"Continuo rezando por minha filha e por essas pessoas que sobreviveram e puderam continuar a vida", diz Maria  Luiza Perez, que autorizou a doação dos órgãos da filha Mariana
"Continuo rezando por minha filha e por essas pessoas que sobreviveram e puderam continuar a vida", diz Maria Luiza Perez, que autorizou a doação dos órgãos da filha Mariana | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Perez relatou que Mariana manifestava a vontade de doar órgãos desde os cinco anos de idade. “Ela queria que a identidade dela tivesse isso escrito e eu disse que ela era nova e poderia tomar essa decisão quando tivesse mais idade, lembrou. "Quando os médicos confirmaram a morte cerebral dela, geralmente são os funcionários da central de captação de órgãos que fazem a abordagem da família. Eu fiz o caminho inverso e fui até a central e ofereci os órgãos de minha filha, porque era a vontade dela. Eu só podia cumprir esse desejo dela.”

“É doído fazer isso, pois pela lei da vida são os filhos que sepultam os pais e não o contrário. Eu tenho uma religião e uma fé que me conforta. Acredito que nada é por acaso. Ela tinha uma missão a cumprir e o motivo foi o AVCI”, destacou.

A bibliotecária ressaltou que os médicos dão toda a confirmação de que ali não tem mais vida, que houve morte cerebral. “Para quem estiver nessa situação eu digo para não ter medo. Nossos filhos são espíritos eternos em outro plano", afirmou, acrescentando ser gratificante saber que a doação das córneas, válvula, rim, coração e fígado da adolescente permitiu a várias pessoas ter uma qualidade de vida melhor. “Em minhas orações eu sempre agradeço. Continuo rezando por minha filha e por essas pessoas que sobreviveram e puderam continuar a vida.”

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VIDA NÃO TEM REPLAY

A funcionária pública Elda Barros relatou que em março de 2013 seu filho Derick Nardeli de Souza foi vítima de um assalto e morreu com quase 19 anos. “Ele tinha declarado em vida que queria ser doador de órgãos e tecidos. Meu outro filho lembrou e procuramos atender esse desejo dele. Fui atrás das equipes de capelania e conheci pessoas que estavam em uma fila de transplante. Isso me motivou a continuar a fazer a campanha para que as pessoas entendessem a importância da doação de órgãos.”

"Quem está na fila de transplante vive uma situação de restrição, não conseguem viajar, ter uma vida", ressalta Elda Barros, que  autorizou a doação de órgãos do filho Derick
"Quem está na fila de transplante vive uma situação de restrição, não conseguem viajar, ter uma vida", ressalta Elda Barros, que autorizou a doação de órgãos do filho Derick | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Segundo ela, as doações de seu filho atenderam oito vidas. “Se ele não tivesse declarado esse desejo, a gente talvez teria mais dificuldade de decidir. A gente não quer que as pessoas morram para doar órgãos, mas a fatalidade acontece todos os dias", observou.

Barros contou que o filho sempre foi muito ativo e queria viver intensamente todos os momentos. “Uma frase que ele deixou para minha vida é viver intensamente cada momento, porque a vida não tem replay", contou. “A forma mais importante de tomar decisão de doar os órgãos é conhecer como a pessoa era em vida. Quem está na fila de transplante vive uma situação de restrição. Estão prisioneiras e não conseguem viajar, ter uma vida. É um sofrimento para elas também. É preciso entender isso”, destacou.

POSSIBILIDADE DE RENASCER É INCRÍVEL

A auxiliar de escritório e designer de sobrancelhas Adriele Bueno Souza, 36, ficou dois anos e meio na fila de transplante antes de ser beneficiada com um pulmão. “Eu tinha hipertensão arterial pulmonar, uma doença genética progressiva e já tinha acometido a minha irmã. Em 2009 ela faleceu, oito meses depois do diagnóstico. Minha prima-irmã descobriu em 2012 que também tinha essa doença e, em 2014, faleceu mesmo com tratamento com medicamentos. Naquela época não faziam transplante para este tipo de doença", detalhou.

“Eu praticamente não podia fazer nada, usava oxigênio 24 horas e estava no limite, mesmo com o uso de medicações. Passei a usar cadeira de rodas para sair de casa e só saía para ir ao hospital. Hoje, depois do transplante, faço tudo o que quero e tenho vontade. Comecei a fazer academia há dois meses. Também faço pilates. Comecei a correr e ando de bicicleta. Até hoje não consigo explicar este tipo de sentimento por ter recebido o órgão. É um misto de alegria, de medo. Essa possibilidade de renascer é incrível.”

Sou muito feliz pela Adrielle ter conseguido o transplante. Não tenho como agradecer a Deus à família que doou o órgão. Antes eu pensava em não doar, mas hoje a minha cabeça mudou completamente. A doação de órgãos é tudo”, afirmou a mãe Araílda Bueno, 58.

'SÓ TEM A AGRADECER'

O mecânico Antônio Batista da Silva, 56, foi diabético por 28 anos e teve problemas de visão e nos rins. “Em 2009 fui a Curitiba e passei por consulta. Eles falaram que meu rim ainda estava com 28% de funcionamento e que teria que chegar a 20% para realizar o transplante. Em 2012 fiz o protocolo para entrar na fila. No dia 7 de janeiro entrei na fila e em dezembro já recebi o transplante”, detalhou.

"Para a família doadora a gente só tem a agradecer, pois eu ficava quatro horas em uma máquina fazendo hemodiálise", afirma Antônio Batista da Silva
"Para a família doadora a gente só tem a agradecer, pois eu ficava quatro horas em uma máquina fazendo hemodiálise", afirma Antônio Batista da Silva | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Ele ressaltou que foi 11 vezes candidato a receber as doações. “Na primeira vez eu não conseguia virar a cabeça de tanta tensão no pescoço. Na 11ª vez ligaram 10h e falaram para estar 7h30 do outro dia. Achei que não ia dar certo novamente, mas deu. Para a família doadora a gente só tem a agradecer, pois eu ficava quatro horas em uma máquina fazendo hemodiálise. Eu não podia beber água, porque tinha problema no rim e só podia molhar a boca, porque não podia eliminar o líquido.”

PELA VIDA AO LADO DO FILHO

A advogada Larissa Ramos, 41, descobriu que era diabética aos nove anos. “Passado alguns anos tive complicações, pois perdi a visão e em uma cirurgia plástica descobri a insuficiência renal e a partir disso fiz diálise por nove meses. Fui encaminhada para Curitiba, porque em Londrina ainda não temos o transplante duplo. No dia 22 de setembro fiz seis anos de transplante de rim e pâncreas. Nunca mais tive problema de saúde algum.”

"Trabalho, faço esportes e tenho uma vida ativa. Achei que isso não fosse possível, mas com o transplante tenho uma nova vida", relata Larissa Ramos
"Trabalho, faço esportes e tenho uma vida ativa. Achei que isso não fosse possível, mas com o transplante tenho uma nova vida", relata Larissa Ramos | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

Ela relembra que fazia diálise das 23 horas até 7 horas da manhã. “Eu não podia pegar o meu filho no colo, que na época tinha três anos. Não podia andar de bicicleta e correr. Tinha uma vida limitada. Hoje tenho saúde plena. Não tenho mais diabetes e tenho uma vida normal. Trabalho, faço esportes e tenho uma vida ativa. Achei que isso não fosse ser possível e com o transplante tenho uma nova vida.”

MEDULA PARA AMERICANO

A vendedora Andréa Cristina Farias dos Santos, 54, fez o cadastro de doadora de medula óssea em uma unidade móvel que foi até a faculdade. “Fiz o cadastro no ônibus e na primeira vez não conseguiram me localizar porque eu não tinha atualizado o cadastro. Quem cuida do cadastro é o Redome e falou que tinha uma pessoa compatível com a minha tipicidade sanguínea. Deu 100% de compatibilidade. Fiz a coleta no HU e ela foi para um americano. Sei que ele está bem através do médico. Não conheço o receptor, mas é um sentimento de amor.”

"Sei que ele está bem através do médico. Não conheço o receptor, mas é um sentimento de amor", conta Andréa Cristina Farias dos Santos, cadastrada como doadora de medula óssea
"Sei que ele está bem através do médico. Não conheço o receptor, mas é um sentimento de amor", conta Andréa Cristina Farias dos Santos, cadastrada como doadora de medula óssea | Foto: Vítor Ogawa - Grupo Folha

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