Para alguns, começar novamente é utopia. Para outros, existe idade certa ou até tempo para retomar o que foi perdido ou simplesmente buscar novas conquistas. No caso de André Luís Barbosa, 46, recomeçar é uma constância e um propulsor para seguir sempre em frente. Ex-morador de rua, foi aprovado no vestibular da UEL (Universidade Estadual de Londrina) deste ano. Futuro calouro do curso de relações públicas.

 "Sei que será difícil, mas só estou pensando em lutar para alcançar a graduação, ter mais oportunidades e retribuir quem me ajudou e aqueles que precisam", afirma André Luís Barbosa
"Sei que será difícil, mas só estou pensando em lutar para alcançar a graduação, ter mais oportunidades e retribuir quem me ajudou e aqueles que precisam", afirma André Luís Barbosa | Foto: Vivian Honorato - N.Com

A história de Barbosa tem sua primeira virada na década de 1990. Aos 18 anos saiu de casa por divergências com a família e foi embora de Londrina. “Estava na fase da adolescência. Nessa idade o pensamento é de que tudo é fácil, não existe dificuldade. Abandonei o colégio, fui para São Paulo trabalhar. Até ganhava mais ou menos, mas não tinha base familiar", relembra.

Em meio às descobertas de quando se é jovem veio a experiência perigosa com o mundo das drogas. Não demorou para o uso esporádico se transformar em vício. “Achei que ia dar um ‘up’ na vida. No entanto, num segundo de bobeira conheci o crack e a vida só caiu. Passei muita fome, frio”, relata. “Tinha uma casa, uma mãe, ela só pedia para comprar meu material escolar, de resto tinha tudo. Foi difícil assimilar que teria que ir atrás da minha comida e precisava de salário para sobreviver, mas ele não existia. Dependia da caridade das pessoas.”

Ao todo foram 24 anos vagando pelas ruas, período em que se deparou com muitas humilhações e discriminação contra pessoas que vivem sem ter um teto. “Nos desvalorizam pela nossa imagem. Não estava com a roupa limpa, sempre envolvido em lugares que não são bem-vindos. Não tinha oportunidade de explicar que não era fácil sair das ruas como poderia parecer, que tinha um processo difícil por trás”, destaca.

A trajetória de Barbosa passou a ganhar novos contornos depois que teve acesso a políticas públicas voltadas à população em situação de rua, já em Londrina. A porta de entrada foi o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas) e, posteriormente, o Centro Pop. “Depois comecei a participar da rede de políticas públicas, tendo oportunidade de ressocialização, controlar o uso de bebidas e outras substâncias. Há cerca de quatro anos esse trabalhou começou a mostrar que valia a pena”, valoriza. O londrinense conseguiu terminar os estudos e já em 2016 sonhava com a faculdade.

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MILITÂNCIA

O ápice de todo o esforço foi no momento que viu seu nome na lista de aprovados em um dos concursos mais concorridos do País, na semana passada. A opção por relações públicas não foi a inicial. Primeiro pensou em sociologia, depois serviço social, mas decidiu por um curso que hoje tem tudo a ver com sua atuação. Barbosa se tornou uma liderança e da pessoa que não era ouvida se tornou alguém que fala por si e pelos outros. É o representante do Movimento Nacional da População de Rua na cidade e tem participação nos conselhos municipais de Política sobre Álcool e Drogas e o de Assistência Social.

Entrar na UEL ainda inaugurou uma nova fase na vida de André Barbosa. Atualmente, reside em uma das repúblicas implantadas pela secretaria municipal de Assistência Social para acompanhar pessoas em fase de superação da situação de rua, porém, se prepara para alugar a própria moradia nos próximos dias, ficando totalmente independente. Além disso, está tirando a primeira habilitação. Trabalhando durante a tarde e noite como repositor em um supermercado, se dedica durante a manhã como educador par na Escola Londrinense de Circo.

DEDICAÇÃO

Carregado de gratidão, quer fazer do seu passado e presente uma forma de ajudar as pessoas a deixarem as ruas e, seguindo seu exemplo, recomeçar. “Vou me esforçar o máximo possível. Sei que será difícil, mas só estou pensando em lutar para alcançar a graduação, ter mais oportunidades e retribuir quem me ajudou e aqueles que precisam. Dar chance para que outras pessoas possam ter essa graça.”

REPÚBLICAS

As repúblicas foram implementadas em 2019 e podem atender até 77 pessoas entre 18 e 59 anos. São sete unidades destinadas às pessoas que estão superando a situação de rua. O objetivo é resgatar a dignidade e cidadania dos beneficiados e prepará-los para serem independentes.

Os moradores podem permanecer nas unidades por até dois anos e são auxiliados por toda a Rede Socioassistencial do Município, incluindo o Centro POP; as secretarias municipais de Educação e do Trabalho, Emprego e Renda; e a Fundação de Esportes de Londrina (FEL), entre outros órgãos.

As pessoas que residem nas repúblicas devem realizar a manutenção dos espaços, cuidando da limpeza, jardinagem, preparação de alimentos, lavagem de roupas e outras tarefas. Profissionais da Assistência Social realizam a supervisão dos moradores, que pode ser leve ou moderada.

As unidades de Supervisão Leve são voltadas para os indivíduos que já apresentam comportamentos responsáveis e podem se adaptar mais facilmente à vida independente. Por isso, eles são visitados periodicamente por psicólogos e assistentes sociais, que verificam a evolução desses moradores.

Já as três repúblicas com o serviço de Supervisão Moderada atendem até 45 pessoas. O público-alvo são os indivíduos com mais dificuldades para a organização da vida diária. Essas unidades contam com a presença, 24 horas por dia, de educadores que monitoram e oferecem auxílio aos moradores. (Com N.Com)

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