Uma pesquisa com pessoas que contraíram Covid-19 para identificar fatores genéticos que possam estar relacionados à gravidade da doença começou a ser desenvolvida no Ipec (Instituto de Pesquisa para o Câncer), em Guarapuava (Centro). O projeto denominado "Abordagem genômica para investigar variações genéticas do Sars-CoV-2 (novo coronavírus) e no hospedeiro humano" é conduzido pelo Ipec em parceria com 12 instituições do Paraná e quatro de São Paulo. A UEL (Universidade Estadual de Londrina) participa com 21 pesquisadores.

Imagem ilustrativa da imagem Estudo genômico no Paraná reúne 80 pesquisadores contra a Covid-19
| Foto: Divulgação - Ipec

Para realizar o estudo, serão coletadas, ao longo de quatro meses, amostras de sangue e tecidos de pacientes com manifestações clínicas de Covid-19 obtidas de instituições de saúde dos estados do Paraná e de São Paulo, entre elas o Lacen/PR (Laboratório Central do Estado do Paraná), em Curitiba; e o Setor de Diagnóstico Molecular do LAC (Laboratório de Análises Clínicas) do Hospital Universitário da UEL.

O coordenador da Comissão Coordenadora do curso de Informática Biomédica da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Wilson Araújo da Silva Junior, explica que o projeto analisará 150 casos divididos em três grupos de pacientes: com manifestação clínica leve, manifestação moderada e os que tiveram sintomas graves, que precisaram ser internados na UTI, com ventilação pulmonar. Há a possibilidade dessa amostra ser aumentada para até 600 ocorrências.

Para mostrar a importância desse tipo de estudo, no dia 17 de junho uma publicação no periódico científico "The New England Journal of Medicine" apontou que pessoas com sangue tipo A possuem risco 45% maior de desenvolver casos graves de Covid-19 em comparação às de outros tipos sanguíneos. E esse risco parece ser 35% menor para pessoas com sangue tipo O. Isso ocorre porque cada tipagem sanguínea tem proteínas diferentes e que reagem de forma diversa em contato com o vírus.

“O diferencial é que a pesquisa publicada na New England utilizou somente dados dos pacientes e o nosso projeto estuda a característica genética tanto do vírus como do paciente, por meio do sequenciamento genético. Assim poderemos identificar fatores que podem facilitar ou impedir a infecção. Sabendo essa característica poderemos desenvolver algum fármaco que possa bloquear esse receptor em alguns grupos de pacientes”, apontou.

“Nós iremos usar dados da pesquisa dos ingleses também. Eles analisaram dados da primeira onda da pandemia coletando dados da Itália e Espanha e identificaram vários genes envolvidos”, observou Silva Junior.

PRIMEIROS RESULTADOS

A rede genômica foi montada na semana passada e agora o grupo irá definir os integrantes do conselho que farão a gestão do trabalho. “A vantagem de ter um número grande de pesquisadores é que o trabalho pode ser dividido em grupos e cada um fica responsável por uma parte”, disse. Após a coleta, o sequenciamento será feito em Guarapuava e depois os dados serão distribuídos para os grupos.

Espera-se que no início de 2021 a equipe já tenha em mãos os primeiros resultados dessa pesquisa. “Os artigos científicos devem ser divulgados no meio do ano que vem. Se tivermos algo palpável para publicar em revista científica, ele deve ser publicado no fim de 2021."

CURADOS E ÓBITOS

O Sars-Cov-2 precisa penetrar uma célula para poder se reproduzir e sua proteína S (spike), que possui aspecto de coroa vista pelo microscópio, consegue se conectar à enzima ACE 2 (enzima conversora de angiotensina 2) - responsável por regular a pressão sanguínea e que está presente em diversas células do corpo humano, incluindo as do trato respiratório.

Metade dos indivíduos positivos para o Sars-CoV-2 apresenta sintomas moderados e são curados sem a necessidade de hospitalização. 30% são assintomáticos. Cerca de 20% dos indivíduos infectados evoluem para a forma mais grave da doença e necessitam de cuidados hospitalares, com 5% desses pacientes precisando de atenção intensiva com ventilação pulmonar. Metade vai a óbito.

A pesquisa desenvolvida em pelo estudo genômico em Guarapuava visa entender esse processo e qual o motivo de algumas pessoas apresentarem mais resistência para desenvolver sintomas, enquanto outras pessoas são mais suscetíveis a evoluir para o agravamento da doença.

PARTICIPANTES

As 12 instituições de pesquisa paranaenses participantes, além da UEL e Ipec, são a UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), Uenp (Universidade Estadual do Norte do Paraná), Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), Unespar (Universidade Estadual do Paraná), UFPR (Universidade Federal do Paraná), Faculdades Pequeno Príncipe, Instituto Carlos Chagas (Fiocruz/PR), Lacen (Laboratório Central do Estado do Paraná), Pontifícia Universidade Católica do Paraná e quatro instituições paulistas: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Faculdade de Ciências Farmacêuticas (Unesp-Araraquara), Universidade de Araraquara e Faculdade de Medicina de Marília.

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INVESTIMENTO DE R$ 15 MILHÕES

O pesquisador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, Wilson Araújo da Silva Junior, explica que Guarapuava foi escolhida para realizar esse sequenciamento genético porque possui uma infraestrutura com capacidade de gerar um volume de sequência em uma só corrida. “Para um projeto como esse do Covid-19 a estrutura do Ipec é adequada, pois faz o sequenciamento em uma velocidade maior e acelera os projetos. Se for preciso sequenciar mil amostras, em vez de um ano leva dois ou três meses. Essa velocidade é importante, porque talvez daqui a um ano a Covid-19 não exista com a mesma intensidade”, detalhou.

O Ipec (Instituto de Pesquisa para o Câncer) está sendo inaugurado esta semana e é fruto de um investimento de R$ 15 milhões oriundos da Assembleia Legislativa do Paraná e de empresários locais. Ele foi criado para ser uma plataforma de pesquisa genômica com corpo técnico e clínico especializado e pode realizar um amplo portfólio de testes genéticos, com equipamentos e metodologias avançados, fundamentais para o diagnóstico de doenças de base genética, em especial as doenças oncológicas.

David Livingstone A. Figueiredo, presidente do Ipec
David Livingstone A. Figueiredo, presidente do Ipec | Foto: Divulgação- Ipec

O presidente do Ipec e coordenador do curso de medicina da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste), David Livingstone A. Figueiredo, afirma que ele segue o modelo de instituição sem fins lucrativos, e quer trazer a visão de pesquisa que é feita fora do País. “Isso viabiliza uma celeridade muito maior que qualquer órgão público do Brasil. Temos dois equipamentos de sequenciamento genético de ponta, um deles é capaz de fazer a sequência de uma única célula. O outro, chamado NGS (sigla em inglês para sequenciamento de próxima geração), custou R$ 6 milhões. Se fosse para comparar, essas máquinas seriam como as Ferraris dos sequenciadores genéticos”, expôs.

O genoma humano possui aproximadamente 3,4 bilhões de bases, e uma pequena porção (1% a 2%) é funcionalmente importante e chamada de exoma. Esta porção do genoma abriga aproximadamente 85% das mutações que causam doenças genéticas humanas. “Por meio do exoma completo podemos buscar mutações associadas a doenças, sendo que a análise é focada naqueles genes associados ao quadro clínico do paciente”, destacou Figueiredo.

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| Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha