O olhar ganhou significados inéditos para Elaine Luzia dos Santos, 33, estudante de medicina da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná ), após um Acidente Vascular Cerebral que resultou na perda dos movimentos e da fala, uma condição de tetraparesia. Agora, com um olhar, uma piscada, um sutil movimento, ela se comunica com professores, colegas da turma, pacientes, familiares e amigos, que aprenderam a traduzir o significado de cada gesto. A desenvoltura que apresenta na comunicação hoje é fruto de uma longa caminhada de superação de dificuldades.

Em 2012, quando ingressou no curso de medicina no campus de Cascavel, Santos já era formada em farmácia pela mesma instituição estadual. Durante a graduação, além das aulas curriculares, a estudante fazia parte de um grupo de pesquisa coordenado pelo professor e doutor Allan Araujo, coordenador do curso de medicina. No entanto, no terceiro ano, em novembro de 2014, a estudante sofreu um AVC, que levou a tetraparesia.

Enquanto ainda estava na Unidade de Terapia Intensiva, a estudante recebeu a visita de um colega de turma, que levou a “prancha alfabética”, que consiste em uma tabela, dividida em cinco linhas, cada uma contendo um grupo de letras. Para formar as palavras e frases, Santos pisca quando a intérprete diz a letra necessária para a construção daquilo que quer comunicar. O modelo original da ferramenta sofreu algumas alterações para otimizar o seu uso e facilitar a comunicação do cotidiano.

Elaine Luzia dos Santos, acadêmica da Unioeste
Elaine Luzia dos Santos, acadêmica da Unioeste | Foto: ACS Unioeste

RETORNO ÀS ATIVIDADES ACADÊMICAS

O retorno às atividades acadêmicas, em setembro de 2015, não foi uma tarefa fácil. “Fizemos algumas reuniões com o colegiado e mostramos que ela tinha condições de concluir esse curso. A dedicação dela mostrou que era possível, inclusive convenceu a todos os docentes e os alunos do curso que é possível”, explica Ivã José de Paula, do Programa de Educação Especial da Unioeste.

De acordo com o coordenador do curso de medicina, o colegiado tentou buscar experiências de outras universidades. “Nós fomos atrás de ver essas experiências, mas elas praticamente inexistem, são poucas no mundo com alunos de medicina. Então, nós mesmos teríamos que ir atrás para resolver a situação”, comenta Araujo.

A fim de se adaptar para as necessidades apresentadas pela estudante, o curso buscou a Assessoria Jurídica para entender os procedimentos legais e as legislações que deveriam ser cumpridas a fim de formar a estudante, que sempre fez questão de participar de todas as atividades acadêmicas, tanto as de cunho teórico, como prático. Além das estruturas adaptadas, como uma sala especial, os procedimentos de avaliação foram remodelados.

“Existe uma legislação própria para alunos em condições especiais. A Elaine, por exemplo, não tinha condições de fazer um procedimento em um paciente, mas ela possui total capacidade de descrevê-lo. E as avaliações dela sempre foram muito boas, o aproveitamento dela foi muito satisfatório durante toda a graduação”, diz Araujo.

Para atender a estudante nas aulas online e presenciais, nos atendimentos dentro do Hospital Universitário do Oeste do Paraná e nas visitas aos pacientes, a Unioeste disponibiliza docentes de atendimento educacional especializado. “A persistência, a força e a vontade dela fizeram com que ela se comunicasse muito bem. Ela se faz entender, não apenas com os olhos, mas também com o corpo”, afirma Michele Lopes Leguiça, uma das pedagogas que a acompanha.

Enquanto exerceu o trabalho de supervisão das atividades de Elaine no HUOP, a professora Rubia Bethania percebeu que a inclusão da estudante no processo foi natural. “Ela tem a questão intelectual muito apurada e é muito inteligente, as limitações são apenas de mobilidade, então criamos uma dinâmica para que pudéssemos inseri-la com a maior naturalidade”, explica.

Imagem ilustrativa da imagem Estudante com tetraparesia se formará em medicina  na Unioeste
| Foto: ACS Unioeste

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'NUNCA DESISTIU'

E aos poucos a estudante foi sendo inserida em algumas matérias. "Ela não sabia em quanto tempo ia conseguir terminar o curso, mas foi realizando uma após a outra e nunca desistiu”, destaca a irmã de Elaine, Elionésia Marta dos Santos. “Hoje a gente olha para ela na reta final do curso e é surreal, como se fosse uma história que estão me contando, tantos altos e baixos, tantas dúvidas que realmente a gente fica mais do que feliz”.

As consequências que surgiram após o acidente viraram de cabeça para baixo a rotina familiar, principalmente dos pais: Dalva Alves dos Santos e Josué Barbosa dos Santos, que precisaram se mudar de Diamante D’Oeste para Cascavel. “A rotina é uma correria. Temos que acordar muito cedo mesmo para levar ela na faculdade. Além disso temos que dar água, levar no banheiro, dar comida, a comunicação é lenta porque ela soletra todas as palavras, não é fácil. Mas ela é muito resistente, ela pensou, ‘estou com um sonho de fazer medicina, o que a senhora acha?’ e eu falei, ‘minha filha, o sonho é seu’”, assegura a mãe. Além de Elionésia, a estudante da Unioeste tem um irmão, Mário Lucas do Santos, que é médico.

ESPECIALIZAÇÃO EM RADIOLOGIA

Com a colação de grau marcada para maio, a estudante já escolheu a área em que vai se especializar e que se vê atuando no futuro: radiologia, na produção de laudos médicos. A escolha preza pela independência na hora da atuação profissional. “É uma área na qual eu posso atuar usando todo o meu conhecimento sem depender tanto das pessoas”, diz.

Durante os anos de graduação, o que mais marcou a estudante foi a relação que ela teve com os pacientes durante as aulas práticas e estágios. “O que mais recordo é o carinho com que os pacientes me tratam. Eles me incentivam todos os dias a continuar”, comenta. Questionada sobre como é inspirar outras pessoas, ela responde emocionada. “Eu me sinto uma pessoa normal”. (Com informações da AEN e da Unioeste)

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