A infestação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, zika, febre amarela e Chikungunya, tem gerado um custo alto para os londrinenses. E não estamos falando somente da área da saúde. Em média, um doente de dengue fica afastado entre cinco a sete dias do trabalho. Com quase dez mil notificações da doença somente em Londrina, imagine o impacto disso na economia. O setor de Vigilância Epidemiológica do município não divulgou o perfil dos pacientes confirmados com dengue, apenas afirmou que a maioria é economicamente ativa.

Melissa Wasick:   “Os clientes que vinham todos os dias não têm aparecido porque estão acamados"
Melissa Wasick: “Os clientes que vinham todos os dias não têm aparecido porque estão acamados"

A FOLHA foi atrás do impacto da doença na cidade e não foi preciso ir longe para perceber que além da saúde o comércio também tem "adoecido". No jardim Ideal (zona leste), um dos bairros com aumento da incidência de dengue, os comerciantes relatam os prejuízos dos últimos meses.

Melissa Wasick, proprietária de um açougue em uma das principais avenidas do bairro, comenta que nos últimos 45 dias registrou uma queda de 50% nas vendas. “Os clientes que vinham todos os dias não têm aparecido porque estão acamados. Era um prejuízo que eu não planejava, pois estávamos começando a recuperar da crise do alto preço da carne e, ao que tudo indica, a situação não vai melhorar tão cedo”, diz.

No minimercado e também açougue a poucos metros dali, a gerente Susimara Miranda conta que ficou uma semana sem funcionário. “Eu sentia muito enjoo e dores no corpo. Impossível de trabalhar”, lembrou Evander Ribeiro da Silva, encarregado de serviços gerais. Com um funcionário a menos e outro em férias, o proprietário, que também estava com dengue, precisou trabalhar naquele período. “Somos em quatro funcionários e cada um tem uma função específica. Se um fica doente, faz muita falta. Para dar conta, teve dias que tivemos que realizar algumas funções após o expediente”, lembra Miranda.

Evander da Silva e Susimara Miranda: "Se um fica doente, faz muita falta"
Evander da Silva e Susimara Miranda: "Se um fica doente, faz muita falta" | Foto: Roberto Custódio

'SE PRODUZO MENOS
ENTREGO MENOS'

O economista e professor da Unicesumar (Centro Universitário de Maringá), Daniel Eduardo dos Santos, analisa cenários econômicos e valida o impacto econômico da dengue, a começar pelo custo para as empresas. “Se temos pessoas em idade produtiva afetadas na sua capacidade laboral por sete a dez dias, esse custo será absorvido essencialmente pelas empresas. Sem falar do período de pré-liberação onde o desempenho geral desse colaborador já se mostra um pouco prejudicado, assim como no retorno ao trabalho”, diz.

Para o mercado, também há um reflexo. Santos aponta que o fato de não ter produção porque a capacidade da empresa fica reduzido com funcionários doentes cria um potencial de geração de inflação. “Se eu produzo menos, entrego menos produto com um custo maior e o mercado acaba tendo menos condição de absorver por um preço mais alto. Então, a dengue acaba afetando de maneira muito ruim nossa economia”, pontua.

TIPO DE

OCUPAÇÃO

Outro ponto a ser considerado, segundo Santos, é o tipo de ocupação. Uma empresa de grande porte tende a sofrer menos porque há uma maior possibilidade de suprir a ausência de um ou mais colaboradores. Já uma pequena empresa que tenha dois ou três colaboradores, perde-se um terço do poder de trabalho. “Agora, qual seria o efeito da dengue no Brasil, que ainda apresenta um número significativo de pessoas que desempenham atividades como profissionais liberais e autônomos, fazendo pequenos serviços na rua ou vendendo produtos? A situação chega a ser quase caótica para eles, pois perdem 25% da renda”, reflete.

Essa situação reflete o que Edna de Fátima Leocadio vem enfrentando neste mês. Ela é proprietária de um bazar de brinquedos e roupas no jardim Ideal e precisou ficar internada por dez dias por conta da dengue. "Cuido do bazar sozinha e tive que fechar as portas todos esses dias. Ou seja, deixei de vender e de ganhar dinheiro. Como a loja é minha única fonte de renda, comprometeu todo o meu mês. As contas atrasaram e tive que pagar juros altos. Tive muito prejuízo”, comenta.

 Edna de Fátima Leocadio: "Cuido do bazar sozinha e tive que fechar as portas todos esses dias"
Edna de Fátima Leocadio: "Cuido do bazar sozinha e tive que fechar as portas todos esses dias" | Foto: Roberto Custódio

QUALIDADE
DO SERVIÇO

E para aqueles que mesmo doentes não param de trabalhar para não afetar o orçamento doméstico, o economista lembra que isso coloca não só a saúde em risco, mas a qualidade do serviço que prestam. “Eles acabam tendo o risco de afetar a imagem que têm no mercado porque farão um serviço mal feito”.

Santos, que também é pesquisador da HBS (Harvard Business School) acrescenta ainda que nos indivíduos cuja forma de viver é limitada pela renda, obviamente, ao serem infectados com a dengue irão utilizar recursos que não estão programados, como por exemplo, para medicamentos. “Eles acabam onerando o próprio orçamento”, aponta.

POLÍTICA PÚBLICA

Na pior epidemia de dengue instalada no Paraná entre 2015 e 2016, Londrina atingiu no mês de março a marca de 1.836 casos confirmados da doença. Em 2020, no mesmo período, o número de pessoas com dengue na cidade desde o início do ano chega a 5.786 e outras 825 notificações ainda estão em análise. Além disso, há oito mortes sendo investigadas. Um boletim atualizado deve ser divulgado nesta quinta-feira pela secretaria municipal de Saúde.

A alta incidência de casos tem relação com a suscetibilidade da população ao sorotipo 2 do vírus da dengue e pela livre circulação do Aedes aegypti (transmissor da doença) que tem encontrado abrigo nos quintais das residências. Quase 90% dos criadouros do mosquito estão em vasos de plantas e bebedouros de animais.

Com esse cenário, a dengue se tornou política pública na área da Saúde. A previsão do Governo do Estado é chegar a um total de R$ 5 milhões de recursos complementares neste ano para os trabalhos de combate e prevenção da doença nos municípios.

Pelo momento epidêmico diferente de outros períodos, ainda não há dados recentes avaliados em estudos. Um levantamento na área de Promoção da Saúde da UniCesumar (Centro Universitário de Maringá) analisou entre 2008 e 2015 os custos e tempos das internações em relação à dengue no Paraná, considerando a população idosa (a partir dos 60 anos) e adultos de 20 a 39 anos. De acordo com os autores do artigo “Dengue: Internamentos e Valores de Serviços Hospitalares no Paraná”, no período foram 6.181 internações, sendo 34% idosos e 65,7% jovens. Os gastos totais foram de R$ 1.624.472,40.

A análise também considerou a média dos custos de internação e de permanência em ambiente hospitalar por dengue clássica e hemorrágica. Entre a população avaliada, o valor médio de internação variou de R$ 316,47 (população masculina idosa) a R$ 345,67 (população feminina jovem). Os dados foram obtidos a partir do Datasus referentes ao número de AIH (Autorizações de Internação Hospitalar).

ESTIMATIVA

A diretora de Vigilância em Saúde em Londrina, Sônia Fernandes, cita uma estimativa nacional de custo entre US$ 200 a 300 dólares por paciente com dengue, mas ressalta que somente depois da crise (de epidemia) é que a secretaria terá condições de saber o quanto de insumos foram gastos e demais custos.

“É difícil a Saúde mensurar valores, pois dependem muito do estadio ou da situação do paciente. Por exemplo, um indivíduo classificado como baixo risco (Grupo A) normalmente irá passar por uma consulta médica inicial, fará um hemograma de acompanhamento e teoricamente será revisto no terceiro e sétimo dia”, explica.

Além disso, a cada consulta ele poderá levar para casa o soro reidratante e medicamentos para alívio dos sintomas. “Já em um quadro mais preocupante, o paciente poderá permanecer no serviço de saúde fazendo hidratação endovenosa e passar por novos exames”, completa.

Imagem ilustrativa da imagem Cenário epidêmico de dengue em Londrina "adoece" também a economia local
| Foto: Folha Arte

PREVENÇÃO É A MELHOR ESTRATÉGIA

O economista Daniel Eduardo dos Santos, executivo em planejamento e gestão estratégia, destaca que a melhor forma de evitar uma crise de dengue é a prevenção. Ele defende a educação ativa da população com o cuidado do próprio quintal e incentiva as denúncias contra aqueles que não cumprem esse dever.

"É a garantia para que toda uma região mantenha o nível de saúde em condição plena. O desleixo do vizinho pode deixar alguém doente, que consequentemente perderá a capacidade de trabalhar e terá uma diminuição na renda. É enxergar que de forma direta isto estará tirando dinheiro de todos e indiretamente pesa no sistema de saúde, obrigando o governo a fazer um manejo de recursos, ou seja, tirando de uma área para cobrir outra. A prevenção certamente seria o meio mais inteligente”, pontua.

Por parte do poder público, Santos ressalta que é preciso uma visão a longo prazo e estratégica. “O Brasil não é muito eficiente na questão pública de longo prazo porque quase sempre os gestores estão visualizando no máximo, o limite do seu mandato”, opina.

'PROCURAMOS
ENTENDER O MOMENTO'

De forma a preservar o bem-estar da empresa diante da epidemia de dengue e pensando na saúde dos colaboradores, a Integrada Cooperativa Agroindustrial adotou medidas preventivas junto aos 1.800 funcionários.

A supervisora de RH, Tatiana Rumiato Rodrigues, comenta que na matriz em Londrina, onde o quadro de funcionários é formado por 205 pessoas, cinco afastamentos ocorreram nas últimas semanas em decorrência da dengue. “Prezamos pela saúde do colaborador e respeitamos o momento necessário para cada um recuperar a saúde, mas é fato que isso causa um impacto na rotina de trabalho. Não temos como prever quando o colaborador vai adoecer, mas procuramos entender o momento que a cidade está passando e buscamos medidas preventivas”, diz.

Dos afastamentos, três já retornaram às atividades. Rodrigues detalha que foram distribuídos para os setores protetores solares com repelente, spray de veneno para passar sobre as mesas, que é onde o mosquito se aloja, além de orientações para as equipes sobre o monitoramento de locais que possam acumular água.

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