Londrina possui cerca de 14 mil imóveis com estrutura de madeira, mas caminha a passos largos para a extinção dessas estruturas. O professor Antônio Carlos Zani, autor do livro "Arquitetura em Madeira", alerta que a possibilidade de todos eles desaparecerem paulatinamente na região de Londrina é grande.

Desde o fim dos anos 1980 o professor vem publicando artigos sobre o tema e sempre defendeu a preservação desses imóveis. De acordo com ele, das unidades que ele mapeou com esse tipo de material em sua estrutura e que tinham alguma peculiaridade relevante, restam menos de 10%.

Um exemplo do perigo que ronda esse tipo de edificação são os furtos de madeiras de casas inteiras registrados na região nos últimos meses. A FOLHA mostrou recentemente o furto de uma casa localizada próximo ao Aeroporto de Londrina, na zona leste.

Somados aos episódios de demolição pelo desejo dos proprietários dessas edificações, é grande o risco dessa importância histórica (tanto das técnicas de construção quanto da preservação do passado de seus ocupantes) permanecer registrada apenas na memória de quem teve contato ou então por meio de fotografias e livros.

"NEM DEFENDO MAIS"

“A gente sempre defendeu a preservação, mas eu nem defendo mais. Já vi que ninguém preserva coisa alguma, que tudo isso vai desaparecer. Vão ficar só as imagens no meu livro e as casinhas na UEL (Universidade Estadual de Londrina), que a gente está querendo preservar. Primeiro porque a madeira peroba-rosa se tornou uma moeda muito cara e tem um valor de troca muito grande. Imagino que esses roubos sejam para vender essa madeira para fazer móveis”, desabafou Antônio Carlos Zani.

O professor explicou que hoje há pouca coisa representativa dessa época em que as edificações em madeira deram suporte para o primeiro desenvolvimento do Norte do Paraná. “Foi um tempo em que a cidade toda era de madeira: as casas, as igrejas, os armazéns, o escritório, o hospital, o hotel. A madeira disponível deu o suporte para esta região, que tinha pressa de se desenvolver não só na zona urbana, como na zona rural, tanto nas pequenas como nas grandes propriedades”, declarou Zani.

Segundo o professor, as casas mais fáceis de roubar são aquelas que possuem porão, e que são elevadas do solo. “Às vezes o pessoal só tira a telha, utiliza um macaco para elevar a construção e coloca em cima do caminhão. Assim conseguem levar ela inteira e de maneira mais rápida ainda."

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RIQUEZA DOS CARPINTEIROS

Para Zanin, do ponto de vista arquitetônico, os ornamentos nas fachadas das casas eram únicos. “Isso era uma riqueza dos carpinteiros. Cada um produzia um tipo de ornamento e dava uma identidade para as casas. Às vezes, tinha uma rua com quatro ou cinco casas com o mesmo tipo de telhado, mas a varanda, o peitoril era diferente. Era um tempo em que a varanda tinha importância grande porque não tinha TV e as pessoas ficavam mais de frente para a rua, conversando com os vizinhos.”

“A gente está perdendo a memória construtiva de como eram as casas e edifícios daquela época. Como eram construídos, como os carpinteiros construíam essas casas, que usavam técnicas diferentes de hoje, com pouquíssimas ferramentas. Eles tinham apenas o serrote, o martelo e o arco de pua”, afirmou.

Ele explicou que a técnica de trabalhar a madeira é muito antiga e no Norte do Paraná veio com os carpinteiros portugueses, italianos. “A técnica de cobertura veio com os carpinteiros de São Paulo e Minas Gerais, com os encaixes utilizando pregos. Diferente dos carpinteiros japoneses que não utilizam pregos e usam cavilhas”, destacou.

“Há 5 anos adquirimos as madeiras de um 'kaikan' em Assaí, que é uma associação japonesa. Trouxemos para a UEL, mas não conseguimos patrocínio para que alguém montasse, já que isso tem um custo. Perdemos, porque não temos quem financie a memória e a história”, lamentou.

Ele citou ainda o "desaparecimento" dos imóveis históricos, como os das serrarias Curotto e Batistella e da máquina de arroz da rua Santa Catarina. “Nós tivemos muitas serrarias aqui e não sobrou uma.”

INCÊNDIOS

Há também imóveis que são atingidos por incêndios. Capitão Renê Augusto Bortolassi, do Corpo de Bombeiros, explicou que as exigências para edificações em madeira são bem específicas, porque há um alto risco de incêndio. "Hoje o próprio código de segurança contra incêndio e pânico estabelece na Norma de Procedimento Técnico 10 o que a gente chama de Cmar (Controle de materiais de acabamento e revestimento)."

Antônio Roberto Martins: "Morar em casa de madeira é muito gostoso; às vezes dá uma goteirinha, mas a gente arruma logo"
Antônio Roberto Martins: "Morar em casa de madeira é muito gostoso; às vezes dá uma goteirinha, mas a gente arruma logo" | Foto: Roberto Custódio

'SEMPRE FALAM QUE É MUITO BONITA'

Quem circula pelos bairros mais antigos de Londrina, como a Vila Nova, Vila Casoni, Vila Recreio, Vila Portuguesa e Vila Brasil pode encontrar alguns exemplares de edificações em madeira do início da cidade de Londrina.

Cada construção possui alguma peculiaridade construtiva, como telhado diferente, varanda com ornamentos próprios ou mesmo disposição dos cômodos de forma diferente. Dependendo do imóvel há alguns com nichos para colocações de imagens de santos. Há também aqueles que combinaram a construção em madeira com alguns elementos em alvenaria.

A estudante Evelin Amorim dos Prazeres, 20, mora com a família há 12 anos em uma casa de madeira na Vila Portuguesa. "Esta casa tem 80 anos e a minha família comprou e reformou. A madeira é a mesma desde que a gente mudou para cá."

Ela explicou que o cuidado com o imóvel deve priorizar a manutenção da pintura externa, já que de tempos em tempos ela descasca. A casa da família faz parte de um conjunto de residências edificadas com o mesmo material na região, mas muitas delas foram substituídas por casas de alvenaria.

"Quando vem visita aqui sempre falam que por dentro ela é muito bonita", disse Prazeres ao apontar para o forro trabalhado em madeira. Ela explicou que a sua família optou por aquele imóvel por ser perto do CSU (Centro Social Urbano) da Vila Portuguesa. "O dono anterior falou que morou um cantor sertanejo aqui. Gosto daqui porque a varanda é bem fresca", destacou.

MANUTENÇÃO FÁCIL

Outo morador das imediações é Antônio Roberto Martins, 52, jardineiro dos campos de futebol do CSU da Vila Portuguesa. "Faz um ano que estou morando aqui, na casa de um amigo. Morar em casa de madeira é muito gostoso. Para minha família é bem sossegado e a manutenção é fácil. Às vezes dá uma goteirinha, mas a gente arruma logo. Sei que tem muitas casas de peroba rosa, mas esta não é", declarou. A coincidência é que sua casa faz esquina com a rua Madeira.

Já na Vila Casoni, a aposentada Paulina Duarte disse que mora há quatro meses em uma casa de madeira pintada na cor laranja. "Gosto de morar aqui. Já morei em muitas casas de tijolo, mas gosto de morar em casa de madeira. Fui nascida e criada em casas de madeira”, resumiu.

Paulina Duarte: "Já morei em casas de tijolo, mas gosto de casa de madeira"
Paulina Duarte: "Já morei em casas de tijolo, mas gosto de casa de madeira" | Foto: Roberto Custódio

MAPEAMENTO NA VILA CASONI

A diretora de Patrimônio Artístico e Histórico Cultural do município, Solange Batigliana, reforça que as casas de madeira são uma característica da cidade e da ocupação dos primeiros anos de Londrina. “A quantidade de madeira era comprada para fazer uma casa de dois ou três quartos. Era uma maneira muito rápida de construir e ter uma habitação”, ressaltou.

Segundo ela, atualmente, as edificações em madeira estão mais presentes em bairros como Vila Casoni, Vila Nova e a Vila Brasil. “Na Vila Casoni, considerada zona especial, estamos fazendo um mapeamento das casas de madeira. Temos 130 edificações em madeira estamos entrando em contato com os proprietários, porque às vezes há duas, três, quatro casas no mesmo lote."

Sobre o furto de imóveis, ela lamentou essa situação. “Quando pessoas invadem a propriedade para furtar o bem de uma pessoa é muito afrontoso. E pela característica de antiguidade do imóvel e o fato de ele ser testemunho de uma época de nossa cidade é mais triste ainda", levantando outro ponto. “A questão é que alguém adquiriu isso (material furtado). Quem são essas pessoas que estão adquirindo?”

A demolição praticada pelos próprios donos para a edificação de um imóvel novo é outra preocupação. Batigliana explicou que esta é uma questão discutida no contexto das leis complementares do Plano Diretor.

“Uma das questões a ser debatida pelo Compac (Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Londrina) é a possibilidade da isenção de impostos. É um posicionamento que tem que ser mais amplo do que o âmbito da cultura. A gente já tem a possibilidade de usar o IPTU em imóveis que são do Estado ou tombados para abater uma parte ou todo o IPTU. Tinha que ser um caminho desses”, declarou.

'CHEGARAM EM CINCO OU SEIS PESSOAS'

A dona de casa Danielle Dias de Oliveira relatou sobre a demolição e o furto de uma casa de madeira no bairro onde mora sua mãe, na zona leste de Londrina. “Eles chegaram em cinco ou seis pessoas em um caminhão, mas ela achava que os proprietários tinham contratado", conta, dizendo que chegou a encontrar esses homens. “Achei que estavam limpando o terreno”, declarou. Ela se surpreendeu com a ousadia dos bandidos quando soube o que havia ocorrido.

No dia 5, a Folha de Londrina citou o furto do madeiramento de uma casa inteira na rua Augusto Severo (zona leste). O último morador daquele imóvel foi Victor Sarabia, que se mudou para Maricá (RJ). Ele disse que parte do furto ocorreu entre a entrega do imóvel à imobiliária e a vistoria da casa.

“Eu saí de lá em um sábado e quando a pessoa que fez a vistoria chegou na terça-feira já constatou a invasão.” Ele relatou que o prejuízo foi de aproximadamente R$ 10 mil, e que só foi quitado porque o seguro residencial cobriu o prejuízo de forma parcelada.

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