“Eu gostei desse boneco porque ele lembra meu irmão”. “Essa daqui tem a pele igual à da minha tia”. “O cabelo dela é parecido com o da professora”. O encanto dos alunos do 3º ano da Escola Municipal Noêmia Alaver Garcia Malanga (zona oeste de Londrina) pelos bonecos e bonecas “Zuri” é a realização de um grande desejo da bonequeira Luciane dos Santos.

A marca criada por ela, que é formada em ciências sociais na UEL (Universidade Estadual de Londrina) e especialista em História Afro-Brasileira, surgiu da necessidade de falar sobre violação de direitos, racismo estrutural e outras violências para um público que ainda está descobrindo sobre o próprio corpo, as relações raciais, o respeito e a diversidade.

Crianças da Escola Municipal Noêmia Alaver Garcia Malanga se encantaram com os bonecos
Crianças da Escola Municipal Noêmia Alaver Garcia Malanga se encantaram com os bonecos | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

Santos tem frequentado as salas de aula de escolas municipais para apresentar seus bonecos, contar um pouco sobre sua história de vida e, o mais importante, segundo ela, “para escutar o que as crianças têm a dizer e querem saber. Em cada escola, escuto relatos sobre o corpo, a cor da pele e o cabelo. Isso significa que ainda há uma necessidade de falar sobre representatividade. O racismo é muito presente na vida dos pequeninos e poder abordar essa questão através das bonecas é uma forma de eu me aproximar deles de uma forma natural, orgânica”, afirma.

A presença de Santos na Escola Municipal Noêmia Malanga nesta manhã de terça-feira (25) foi intermediada pela professora Vilma Maria Rodrigues Chofard, que, assim como os demais professores da rede municipal, estão trabalhando com um material de sequência didática distribuído pela secretaria municipal de Educação. O material pode ser adaptado pelos professores de acordo com cada realidade escolar e a história de Santos, contada pela FOLHA em dezembro de 2020, é um dos conteúdos apresentados.

“Em cada boneco, busco enfatizar o cabelo, a cor de pele, as próteses de perna, por exemplo, para que as crianças se identifiquem, para que se enxerguem através delas e se sintam bonitas", explica Luciane dos Santos
“Em cada boneco, busco enfatizar o cabelo, a cor de pele, as próteses de perna, por exemplo, para que as crianças se identifiquem, para que se enxerguem através delas e se sintam bonitas", explica Luciane dos Santos | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

“A reportagem vem sendo trabalhada com as três turmas do 3º ano aqui da escola como gênero textual, para a interpretação de textos, abordagem das profissões e o artesanato. Além disso, há uma aproximação da história de Santos com a realidade de muitos alunos”, conta Chofard.

Ela destaca que muitas mães de alunos trabalham com artesanato para complementar a renda e que muitos também tiveram que parar de estudar em algum momento da vida, assim como Santos. “E o não respeito à diversidade é algo que está muito presente nas salas de aula. A presença das bonecas e da professora aqui na nossa escola é muito importante”, diz.

Professora Vilma Maria Rodrigues Chofard: "Há uma aproximação da hstória de Santos com a realidade de muitos alunos"
Professora Vilma Maria Rodrigues Chofard: "Há uma aproximação da hstória de Santos com a realidade de muitos alunos" | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

LOJA DE BONECAS

Ao sofrer racismo e bullying na escola, Santos deixou a sala de aula aos 12 anos e foi trabalhar como diarista e babá. Após alguns anos de enfrentamento de vários tipos de violência, ela voltou a estudar, fez faculdade e hoje tem uma loja própria de bonecas. Todas são feitas por encomenda e todas revelam uma identidade.

“Zuri”, nome escolhido para a marca de bonecas significa beleza em língua africana. “Quando eu compreendi que o racismo é estrutural, eu fiquei de certa forma aliviada. Isso fez toda a diferença para eu entender que nada do que me aconteceu foi culpa minha. E assim, surgiram as bonecas”, relatou Santos à reportagem.

“Em cada boneco, busco enfatizar o cabelo, a cor de pele, as próteses de perna, por exemplo, para que as crianças se identifiquem, para que se enxerguem através delas e se sintam bonitas. E como vimos nas frases das crianças nesta manhã, os bonecos sempre se parecem com alguém e materializam o que estou conversando com eles. Os bonecos facilitam esse diálogo”, destaca.

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