Imagem ilustrativa da imagem Dedo de Prosa: Da Janela

Tenho o costume de acordar logo que o sol clareia a janela. Sim, de domingo também. Não por motivo maior do que ver o sol clareando a janela. Dizem que eu acordo com as galinhas, mas eu nunca saberia. Da minha janela não se vê nenhuma galinha ou pasto, e acho que nem se veria por mais 300 janelas em qualquer sentido. Mas se eu pudesse ouvi-las, as galinhas, acho que as daria “bom dia” assim que ciscassem o primeiro grão. Mas em casa caminho sem meias sobre o piso duro e gelado, de onde não se pode ciscar. Em vez das galinhas, o “Bom dia” - vai a quem estiver na cozinha. Mas há algo estranho.

“Por que você ainda não abriu as janelas?”

Quando a luz passa os esquadros, eu gosto do que vejo, porque é aqui na cozinha de que se colhem os limões direto da fruteira, se ordenha a caixa de leite, se abate a bandeja de isopor amarelo para ter carne, se busca a água do fundo do filtro. Ah, como vida é simples. A natureza faz cada coisa estar em seu devido lugar, ao alcance da mão.

Logo, a mesa está posta: três pratos, três canecas. Aqui em casa a gente se reúne nas refeições com poucas exceções. Enquanto comemos, lado a lado, gostamos de olhar para fora da janela. De lá, podemos assistir a paisagem mudando por horas a fio e ouvimos vozes que não conhecemos.

“Bom dia, bem vindo à mais uma edição. Hoje você confere como é a produção de café na Região Sul.”

Essas pessoas com quem nunca conversei, em lugares a que nunca fui, parecem tão próximas quando as observo do outro lado da janela. Olho para dentro da minha caneca. A bebida é escura, quente e decafeinada, muito diferente dos grãos vermelhinhos e brilhantes que o repórter mostra. Mas o cheiro... ah, o cheiro de café é inconfundível. Lembro-me de quando eu era uma criança e meu pai dirigia de carro pela rodovia, comigo no banco de trás, passando em frente à fábrica onde torram o café. O cheiro vinha tão forte que eu não precisava nem abrir as janelas para senti-lo, bastava inspirar fundo e fechar os olhos.

Do outro lado da pista, mais um local de lembranças. No parque Ney Braga já sujei muita sola de tênis. Guardo uma foto que minha mãe tirou, em que sorrio da janela de um pequeno moinho do parque. Não perdia a “Expô” um único ano, mesmo que em todos eles minhas diversões fossem as mesmas: andar de roda-gigante, comer doce-de-leite caseiro, olhar os bichos.

Eu tenho medo dos bichos, e, falando com sinceridade, não os acho tão cheirosos, mas sinto saudades deles também. Sinto saudades de quando estava no tempo da escola, e eu uma amiga íamos à hípica andar a cavalo, semanalmente. Sentia-me como algum tipo de herói quando me via com as botas e o capacete. É claro que já caí, mas isso fazia parte da aventura.

Abro os olhos. A caneca ainda está lá, aquecendo minha mão, e o repórter já fala de outro grão, ou doce caseiro, ou bicho. Percebo que esse ano não fui à “Expo”, nem andei a cavalo, nem senti o cheiro do café torrado na hora. Da minha janela, só se veem prédios altos com inúmeras janelinhas, de outras pessoas tão urbanas quanto eu. E, ainda que isso seja tudo que eu possa aproveitar por agora, sei que aquilo que não é urbano sempre abrirá uma janela dentro de mim.

Lara Bridi

É estudante de jornalismo na UEL