Em frente à nossa casa, no sítio Santo Antônio, em Cambé, tinha um grande terreirão para secagem do café. Era calçado de tijolos e ao lado tinha uma caixa de água de mais ou menos dois mil litros, que era para lavar o café trazido da roça. Confesso que nunca vi meu pai lavar o café ali. Mas o espaço tinha outras serventias, como cuidar dos outros mantimentos colhidos no sítio, fazer festas, e até os casamentos dos meus irmãos mais velhos foram realizados ali. Lembro-me bem das festas de São João feitas no terreirão. Meu pai fazia uma grande fogueira e após o terço, que reunia muitos vizinhos, compadres e amigos, eram servidos pães, doce de abobora, mamão, pé-de-moleque e o licor de anisete (bebida caseira feita de anis estrelado e aguardente). Tinha para as crianças o chocolate xadrez, que era difícil dissolver no leite, ficando os grumos. Mas era o que tinha, não é?

Bem, mas o pior era que minha irmã mais velha, a Nair, sempre inventava de lavar aos sábados o tal terreirão. Meus irmãos e eu estudávamos na escola rural, a uns dois quilômetros de casa, no período da manhã. No retorno da escola, estávamos cansados e “doidos de fome”. De longe já víamos a bendita caixa d’água cheia, esperando-nos para a lavagem do terreirão. Que raiva!

Certo vez, meu irmão Álvaro disse-me: “um dia vou acabar com essa história de lavar o terreirão”. Após algumas semanas ao chegarmos da escola, “sol a pino”, lá estava nossa irmã nos esperando para o trabalho. Deixamos nossas bolsas e fomos para a labuta. Não demorou muito o mano Álvaro “desmaiou”, caindo no terreiro molhado. Foi uma gritaria só. Maurinho, o caçula chorava que o irmão tinha morrido, minha irmã chamava a mãe que logo veio com uma garrafa de álcool passando no pulso, fazendo-o cheirar. O pai pegou Álvaro no colo e o levou para dentro de casa. Aos poucos o mano foi “recuperando os sentidos”. Que alívio! Eu não sabia se era verdade ou fingimento, mas fiquei quieto.

A partir desse dia as coisa mudaram, pois os adultos nos ajudavam e sempre após o almoço.

Passaram-se anos, já estávamos morando na cidade, quando numa reunião de família, o mano Álvaro revelou a “fraude”. Foram só risadas, menos minha irmã que sempre sentiu-se culpada pelo acontecido.

icon-aspas “...o espaço tinha outras serventias, até os casamentos dos meus irmãos mais velhos foram realizados ali”

SIDNEY GIROTTO, leitor da FOLHA

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