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A capacidade humana em se relacionar e reconhecer no outro seu refúgio é um assunto que há anos intriga pensadores que buscaram compreender essa conexão que chamamos de amizade. Inicialmente considerada uma virtude moral, a temática transpassa o tempo e fronteiras e acompanha as transformações sociais que modificaram a forma de o ser se perceber no mundo.

Aristóteles, na Ética a Nicômacos, afirmou que a “amizade perfeita é a existente entre as pessoas boas e semelhantes em termos de excelência moral.” O professor de filosofia da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica), Reginaldo Bordin, explica que de acordo com este pensamento, as pessoas de excelência moral se identificam entre si. “São iguais e não estabelecem relações de amizade sustentadas ou por prazer ou por interesse, situações que Aristóteles exclui como fundamentos de uma boa amizade”, afirma.

O tema também aparece em Epicuro (341-270 a.C.): “De tudo aquilo que a sabedoria proporciona para a felicidade de toda nossa vida, de longe o mais importante é posse da amizade”. O professor explica que neste pensamento, amizade conecta sabedoria e felicidade. “É a condição de pessoas sábias edificar relações não interesseiras para uma vida mais prazerosa e feliz”, ensina.

Uma relação não baseada em interesses é também parte da definição de amizade do poeta e escritor Fabrício Carpinejar. “Não dá para confundir amigo com conhecido, amizade sempre é uma mão, não mais que cinco dedos”, inicia. Para ele, a amizade vai além do contexto. “Amigo não é aquele apenas que reparte a tristeza, é aquele que suporta a sua felicidade. Ultrapassa contexto biográfico, o amigo é aquele que não deixa de ser amigo porque as condições não são iguais, ele acompanha as diferentes fases da sua vida”, define.

O escritor defende que os amigos estarão nesta condição em diferentes classes sociais, posicionamentos ou histórias. “Até porque a amizade é uma semelhança emocional, ultrapassa as questões da ideologia, porque tu vai mudar de opinião ao longo do tempo, isso é natural, mas não se muda aquele vínculo. E a gente sabe que é amigo quando ele não nos julga, compreende, que mesmo não seguindo os conselhos dele, continua sendo solícito”, acrescenta.

AMOR OU AMIZADE?

Na filosofia, a amizade como virtude não foi abordada somente com os gregos, romanos e cristãos também refletiram sobre esse valor. Segundo Reginaldo Bordin, Marco Túlio Cícero considerou que a amizade vale mais que o parentesco, cuja relação pode ser estabelecida sem afeição. Já a amizade é cultivada como uma virtude. No cristianismo, “amar ao próximo como a ti mesmo” orienta que o amor de Deus deve, em primeira instância, se realizar no encontro e amor para com o outro. “Santo Isidoro de Sevilha, em suas Etimologias, entendeu que amigo é como um guardião de alma, 'preso' por amor”, ensina o professor.

Amor é o que sustenta a relação entre amigos no livro de Fabrício Carpinejar “Amizade é também amor”, lançado em 2017 pela editora Bertrand Brasil. Nas crônicas são abordadas diversas situações em que o amor pelo outro os fez reerguer. O autor acredita que todos precisam dividir suas dores com alguém e que nessa própria repartição estaria a cura para algumas dores. “O amigo acaba sendo a caixa-preta de toda nossa vida, se a gente sai do nosso caminho, o amigo nos avisa. É como se fosse uma memória, um chip, algo que os relacionamentos (amorosos) não têm, porque o amigo sabe tudo que a gente viveu, algo que nem a nossa esposa ou marido sabem”, acrescenta.

O filósofo Michel de Montaigne também fala sobre a amizade não ser travada ao sabor da oportunidade e do interesse. “Deve, antes, ser um entrosamento de almas, unidas de tal modo que não se distingue da outra. Deve, portanto, haver comunicação, entrosamento, bons conselhos”, explica o professor. “Vejo que é necessário ter a cumplicidade da autocrítica. Amigos que se gostam, riem um do outro, ou seja, tu não tem como se sentir arrogante numa amizade, porque o amigo sempre vai lembrar dos seus defeitos, amigavelmente”, defende Carpinejar.

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