Tenho o costume de observar a natureza e com frequência sou recompensado com as maravilhas que ela oferece. Assim fica fácil apreciar a germinação de uma semente, o canto de um pássaro ou o cheiro da chuva. Às vezes sou premiado com um grande espetáculo; um bando de garças pousando na mesma árvore, um tatu-bola rolando pelo caminho ou um passarinho fazendo ninho. Tudo isso é bonito, mas quando vejo a competência das aves construindo suas moradas, faço questão de contemplar, porque se trata de uma atração à parte.

Como não se deslumbrar com a arquitetura da casa do joão-de-barro? Ou com o formato do ninho coletivo das caturritas? Acho todos os ninhos interessantes. Aqueles feitos no chão, nos buracos dos barrancos ou na copa das árvores, como o do jaburu, ave símbolo do pantanal. Mas devo confessar que gosto muito do estilo da corruíra, pelo fato dela viver perto do chão, pulando de galho em galho e fazer moradia em qualquer cavidade, o que resultou no seu nome científico: Troglodytes musculus (rato que mora em cavernas).

Lembro que, quando crianças, eu e meus amigos fazíamos apostas para ver quem conseguia pegar uma corruíra, o que era praticamente impossível devido à sua rapidez. Vendo a gurizada correndo atrás dos passarinhos minha avó dava um jeito de acabar com a brincadeira, gritando: “quem matar esse bicho ganha sete anos de azar”.

A corruíra, que habita em todo o território brasileiro, se alimenta de pequenos insetos, mosquitos e vespinhas que captura entre a folhagem rasteira, nas frestas dos muros e cantos dos jardins, sendo também conhecida como garrincha, curreca e cambaxirra. Mas o que mais chama a atenção é a sua engenhosidade em fazer ninhos em lugares inusitados.

Lá em casa, por exemplo, no verão passado um casal se instalou dentro da canaleta da lâmpada fluorescente, debaixo do quiosque da churrasqueira, o que não causou surpresa porque em outras épocas haviam usado uma velha cuia de chimarrão, um caneco de chopp e até um pé do tênis de futebol. E a pequenina ave não se incomoda de viver perto das pessoas mesmo quando está construindo o ninho ou alimentando a prole, pois tanto o macho como a fêmea trabalham sem cessar em busca de alimento, e, nesse intenso vai-e-vem no trajeto casa-comida-casa passam rente àqueles que se colocam na direção do ninho.

Muita gente tem estima pela ave devido à elegante comparação que fazem com seu parente, o uirapuru, famoso pelo seu canto. Eu, no entanto, tenho afeição à corruíra pela sua esperteza e capacidade de conviver com os humanos. Além disso, o pequeno pássaro pode trazer grandes surpresas, como a que ocorreu com meu amigo Marcos Pedrão, que foi salvo da picada de uma cobra devido à intervenção do pássaro. Ele estava conversando com o sogro na varanda da casa de sítio, quando a corruíra percebeu que a serpente, talvez interessada em comer seus filhotes, se dirigia ao ninho que as corruíras tinham feito dentro de um embornal pendurado na parede. O passarinho fez um alvoroço, espantou a cobra e conquistou a admiração do Pedrão. Eita bichinho valoroso essa tal de corruíra!

Gerson Antonio Melatti, leitor da Folha.

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