"Senhores passageiros, uma boa noite a todos. Meu nome é Agnaldo, sou o motorista responsável por essa viagem, quero informar a vocês que no percurso nós faremos uma parada de 20 minutos...”, repete o discurso proferido antes do início de todas as viagens. Agnaldo Luiz Domingues, 48, é motorista da Viação Garcia há 23 anos e conta como o encantamento com a profissão do pai o levou para os mesmos caminhos.

“'Pai, quero ser igual a você', eu falava para ele. Eu queria ser motorista e tinha que ser de ônibus, nunca quis ser motorista de caminhão. Uma porque eu herdei do meu pai, outra porque sempre achei bonito transportar vidas”, conta Agnaldo. Para concretizar o sonho, iniciou curso de torneiro mecânico almejando uma vaga na empresa em que o pai, Pedro Domingues, 72, trabalhava. O plano era que, após ser contratado, pudesse traçar novos passos como motorista.

Agnaldo Luiz Domingues:  "Sempre achei bonito transportar vidas”
Agnaldo Luiz Domingues: "Sempre achei bonito transportar vidas” | Foto: Felipe Leite/Divulgação

E conseguiu. Em 1986, foi contratado como auxiliar de torneiro mecânico, passou a atuar como torneiro mecânico oficial e, em 1995, se tornou motorista. “Foi o ano em que meu pai se aposentou, mas nós trabalhamos dois anos juntos ainda. Ele sempre me deu muito conselho, dicas da estrada, até porque eu não tinha experiência”, conta ele sobre ter começado com viagens menores.

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EXPERIÊNCIA

Domingues começou com as viagens de curta distância, passou para as viagens longas, e hoje atua como motorista monitor, que avalia e orienta os candidatos e contratados para motoristas na empresa, consequência do bom trabalho exercido em todos esses anos. “O bom motorista não basta dirigir bem, tem que atender bem. Ser cordial, agradável, compreensivo...”, enumera.

Mas ele não é só qualificação, também guarda boas histórias. “Cada viagem é uma história, um contraste, porque tem pessoas que estão ali viajando a passeio, tem pessoas que estão viajando porque perderam alguém da família”, menciona.

Entre as 50 vidas de passageiros que se entrecruzam a cada viagem, algumas marcaram. “Uma vez, uma pessoa veio à cabine para informar que um passageiro estava tendo convulsão. Naquele tempo, as rodovias não eram pedagiadas. Aí tem que tomar atitude, ir mais rápido e entrar na primeira cidade que encontrar para chegar a um hospital para a pessoa ser atendida”, recorda.

O motorista também recorda os mistérios que rondavam o desembarque. “Aconteceu de a pessoa entrar de muletas e depois esquecê-las no carro”, ri ainda sem entender a situação. “Também já teve pessoa que deixou cair a dentadura no banheiro e queria saber onde estava a descarga do carro”, conta as micro-histórias que ele diz serem frequentes.

Se as histórias são rotineiras, os avanços também. Sua profissão mudou bastante desde o início até agora, o que deixa o pai curioso. “Eu sinto que ele tem um certo orgulho de mim e ele sempre pergunta como está minha rotina de trabalho, até porque os carros hoje estão bem mais modernos, têm mais tecnologia do que o tempo em que ele trabalhava, então eu conto pra ele o que tem de novo”, afirma.

Uma troca de posições. Quando Agnaldo era criança, o pai é que ensinava os macetes. “Eu sempre gostei de carro, desde criança, e aprendi a dirigir só de ver meu pai. Às vezes ele me levava em viagens curtas e eu ficava admirado de vê-lo conduzindo um carro desse tamanho”, conta. O orgulho que o pai tem hoje é parecido com o que o filho tinha do pai na infância.

Quase que predestinado, o motorista hoje agradece por ter tido a sorte de encontrar a profissão que lhe faz feliz. “O que eu mais gosto é o ato de dirigir. Quando eu chego da viagem e o passageiro agradece ou elogia é a coisa mais gratificante que tem. Acho bacana chegar no final da viagem e ver ali o encontro entre as pessoas”, aponta.

Nessa rotina de encontros e despedidas, Domingues carrega pessoas e memórias, histórias que não param de ser contadas nem mesmo depois do final do discurso: “Obrigada pela atenção, agradeço pela preferência, tenham todos uma boa noite, uma boa viagem, que Deus nos acompanhe."