BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em uma sessão tumultuada da CPI da Covid, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) bateu boca com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), disse que não era “porteiro” para ser intimidado pelo parlamentar e abandonou a comissão no início da tarde desta quarta-feira (16).

Witzel estava sendo questionado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre suspeitas de desvio de dinheiro na compra de respiradores pela gestão do ex-governador, quando Witzel pediu ao presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), para deixar o colegiado.

Aziz disse que o pedido estava amparado por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que garantiu um habeas corpus a Witzel, e comunicou o encerramento da sessão.

"Não podia deixar de vir. Respondi a todas as perguntas. Agora na medida em que começa a haver ofensas, na forma de senadores que se dirigiam a mim de forma ofensiva, de forma leviana, até mesmo chula, não poderia continuar dessa forma. Estou aqui para ser respeitado e respeitar", afirmou Witzel em entrevista após a sessão.

Antes de ir embora, o ex-juiz protagonizou momentos tensos de embate com o filho do presidente Jair Bolsonaro.

"Senador, o senhor pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro. Não vai me intimidar, não. Mas, senador Flávio Bolsonaro, vossa excelência é contumaz ao dar declarações atacando o Poder Judiciário, especialmente o juiz Flávio Itabaiana", afirmou Witzel a Flávio. Pouco antes o depoente também disse que o senador era mimado e mal-educado.

A fala era uma referência ao porteiro do condomínio em que Jair Bolsonaro tem residência no Rio, que inicialmente afirmou que os assassinos da vereadora Marielle Franco teriam ido à casa do presidente, mas que depois mudou a sua versão.

Witzel também disse que vem recebendo ameaças de morte em série. Acredita que algumas delas partem de milicianos do Rio de Janeiro, apesar de ressaltar que "miliciano não se declara miliciano".

"Senador, a gente recebe sempre ameaças, que eu deveria estar morto. Durante o período que eu tinha a minha segurança como governador, eu tinha a minha segurança, me deixava mais tranquilo. Hoje eu não tenho mais essa prerrogativa. Consequentemente eu evito sair à rua, sair à noite, ter rotina", afirmou, para em seguida ser questionado por Renan Calheiros (MDB-AL) se as ameaças partiam de milicianos.

"Miliciano não se declara miliciano. Mas a minha segurança sempre observou a aproximação de veículos. procurando mudar o trajeto, intimidações houve."

Em diversas ocasiões, o ex-governador afirmou que houve atuações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal que se caracterizaram como "intervenções" no estado e contra ele próprio.

Witzel chegou a citar uma conversa com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que teria pedido ao então governador que parasse de afirmar que queria ser presidente da República.

"Eu cheguei lá, o ministro Moro disse pra mim o seguinte: 'Ô Witzel, o chefe falou pra você parar de falar que quer ser presidente. E, se você não parar de falar que quer ser presidente, infelizmente a gente não vai poder te atender em nada, né?'. E aí o ministro Moro falou que ia pedir de volta os delegados, porque estava sendo uma determinação do governo federal. Isso é ou não é uma clara intervenção num estado da federação?"

A cúpula da comissão chegou a sugerir uma sessão fechada, questionando o depoente se ele se sentia inseguro para prestar esclarecimentos naquelas condições. Witzel afirmou que não se intimidaria, mas que aceitaria a sessão fechada, apenas com membros da CPI, para apresentar alguns elementos sigilosos de investigação.

"Então nessa reunião eu faço questão de apresentar elementos para iniciar uma investigação contra pessoas que estão desvirtuando a atuação funcional e nós vamos descobrir quem está patrocinando investigação contra governador, quem está patrocinando essa questão criminosa e o resultado é um só: 490 mil mortes", afirmou.

Witzel depois disse em entrevista que apenas aguarda uma decisão do presidente da CPI para agendar essa sessão fechada. Disse também que essa investigação é "séria" e que apenas a comissão pode levar adiante "pelas pessoas que estão envolvidas".

Durante a sessão, o ex-aliado de Bolsonaro usou sua fala para disparar ataques contra o presidente. Disse que o mandatário promove uma narrativa durante a pandemia do novo coronavírus para fragilizar os governadores estaduais.

“Foi uma narrativa pensada, estrategicamente pensada. Os governos estaduais ficariam em situação de fragilidade, porque não teriam condições de comprar os insumos, respiradores e, inclusive, atender os seus pacientes no Sistema Único de Saúde, que, embora seja um excelente sistema para um país como o nosso, tem dificuldade”, afirmou.

“Então, o que ficou claro é que a narrativa construída pelo governo federal foi para colocar os governadores numa situação de fragilidade, porque os governadores tomaram as medidas necessárias de isolamento social. E isso tem repercussões econômicas."

Witzel também bateu boca com o senador governista Jorginho Mello (PL-SC), que afirmou que o ex-juiz havia provocado vergonha à magistratura.

"O senhor envergonhou a Justiça, envergonhou o Rio de Janeiro e a população brasileira. E não tenho mais pergunta para fazer", disse Jorginho.

"Senador, como o senhor fez uma afirmação leviana em relação à minha pessoa", respondeu Witzel, logo em seguida interrompido pelo senador: "Leviano é o senhor que foi cassado!".

"O senhor que está bancando o mocinho aqui, o santo. Cheio de picaretagem que o senhor fez lá no Rio de Janeiro", atacou Jorginho. ​

Em outra frente, o ex-governador também culpou o governo Bolsonaro pela situação atual no enfrentamento da pandemia, por não ter havido uma liderança central nas ações. Disse também acreditar que o governo federal adotou a tese da imunidade de rebanho.

Witzel afirmou que Bolsonaro não enviou dinheiro a contento para hospitais universitários combaterem a pandemia e se recusou a dar ao estado a gerência de hospitais federais.

"Os hospitais federais, os hospitais federais são intocáveis, ninguém mexe ali. Têm um dono, e esta CPI pode descobrir quem é o dono daqueles hospitais federais", disse.

"Então, uma investigação nesses hospitais —por que esses leitos não estão abertos e o dinheiro está indo para lá, quebra de sigilo— pode chegar à conclusão de quem é o beneficiado pelo dinheiro que está sendo desviado nesses hospitais federais do Rio de Janeiro", continuou Witzel.

O ex-juiz também criticou Bolsonaro por ter atacado medidas de distanciamento social pregadas por gestores estaduais e afirmou que se ele ainda estivesse à frente do governo fluminense "não haveria motociata", manifestação de motociclistas que ocorreu em maio no Rio com a presença do presidente.

Witzel se referiu em mais de uma vez à investigação da morte de Marielle Franco.

Em outubro do ano passado, depoimento revelado pela TV Globo mostrou que o principal suspeito de matar a vereadora e o motorista Anderson Gomes, o sargento aposentado da Polícia Militar Ronnie Lessa, reuniu-se com outro acusado, o ex-policial militar Élcio Queiroz, no condomínio Vivendas da Barra, mesmo local onde Jair Bolsonaro tem uma casa, na zona oeste do Rio.

A reunião ocorreu no dia do crime, em 14 de março de 2018. Segundo depoimento de um porteiro do condomínio, obtido pela emissora, Élcio teria dito na portaria que iria à casa de Bolsonaro, à época deputado federal. Os registros de presença da Câmara dos Deputados mostram que Bolsonaro estava em Brasília nesse dia.

Witzel afirmou à CPI que houve um claro caso de coação de testemunhas, que levou à mudança na versão apresentada pelo porteiro.

"Agora, o porteiro, que estava como testemunha, recebe uma intimação da Polícia Federal e o procurador-geral da República instaura um inquérito para acuar. Qual é a outra leitura que se pode fazer disso? Eu sou jurista. É eminentemente uma acuação da testemunha no curso do processo com um inquérito feito por um Estado que não é democrático, por um Estado com o objetivo de coagir aquela testemunha", afirmou.

"O porteiro estava apavorado. Ele não quis mais falar nada, nem entrar no programa de proteção à testemunha."

Antes da sessão, Witzel afirmou aos jornalistas que o caso Marielle havia sido o estopim da ruptura na relação que tinha com Bolsonaro, versão que voltou a manifestar após seu encerramento. ​

"Eu posso dizer que quando assumi como governador do estado, em dois meses, os executores estavam presos", disse.

"Após o término da intervenção, no fim de 2018, já havia indícios suficientes para prender aqueles que foram executores do crime. Eu não sabia os nomes, não sabia quem eram, onde estavam. Como meu programa de governo dava independência à polícia e exigia, no caso de Marielle, uma promessa de campanha, que esse caso seria esclarecido, a polícia chegou aos dois que moravam no condomínio do presidente. A partir daquele momento o presidente não falou mais comigo", completou.

Senadores da CPI da Covid já reclamaram entre si nos bastidores do comportamento de Flávio na comissão. Os parlamentares dizem que o filho de Bolsonaro costuma aparecer em depoimentos mais rumorosos para o governo e costuma encarar o depoente.

Após a sessão, Flávio criticou a participação de Witzel, afirmando que a comissão deu um "palanque político" ao ex-governador.

"Infelizmente ele veio até o Senado para tentar fazer os senadores de palhaços. Completamente descomprometido com a verdade, usando o palanque da CPI para fazer propaganda política, para mentir descaradamente, atacando o governo federal", afirmou.

"Ele veio, falou o que quis, ouviu o que não quis. Quando percebeu que o bicho ia pegar com ele, correu como um covarde."