Vizinhos revezam baldes para buscar desaparecidos na chuva em SP (2)
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022
FÁBIO PESCARINI
FRANCO DA ROCHA, SP (FOLHAPRESS) - A doméstica Sandra Félix, 40, saiu no sábado (29) cedo para trabalhar em Francisco Morato (Grande SP), mas, por falta de transporte, só conseguiu voltar na manhã desta segunda-feira (30). Viu a cem metros de sua casa uma montanha de terra que destruiu outros cerca de 15 imóveis e matou ao menos cinco pessoas nas fortes chuvas que atingiram Franco da Rocha no fim de semana.
Sandra conta que, por volta de 9h30, ainda nem tinha voltado para casa. Ela se juntou a outras vizinhas que montaram um posto solidário para distribuir água, café e bolacha a bombeiros, funcionários da Defesa Civil e voluntários que ajudam nas buscas de ao menos três pessoas que estariam embaixo do lamaçal que desceu até a rua São Carlos.
Ao todo, 21 mortes por causa das chuvas desde sexta-feira já foram confirmadas pela Defesa Civil estadual em São Paulo.
Segundo a Prefeitura de Franco da Rocha, há pelo menos 11 desaparecidos na cidade da Grande SP. Seis pessoas foram resgatadas com vida e encaminhadas a hospitais.
Morreram no local quatro homens e uma mulher: Diego dos Santos, sem informação de idade; Cleber Bonfim, de 37 anos, Anderson da Costa, de 26, Vinicius (sobrenome não informado), 13, e Amanda Sales, 25.
"A gente tem que ajudar de alguma forma", afirma Sandra, que mora há seis anos no local com a mãe e a filha. "Elas foram para a casa de uma cunhada em Perus [zona norte da capital]", disse.
A doméstica afirma ter chegado aflita ao local, porque viu vídeos com o deslizamento na internet. "Me mandavam vídeos a toda hora", afirmou.
Ela e outras cinco mulheres estavam embaixo de uma laje improvisada com a mesa de café da manhã observando entre 50 e 100 pessoas que passavam baldes cheios de terra uma para as outras.
E essa foi a forma de ajudar encontrada por Edilsa Pereira de Almeida, 55, moradora da rua São Carlos, vizinha ao local do acidente. Nesta segunda-feira, ela encarou a chuva para bater de porta em porta para pedir a doação de baldes e latas para levar ao pessoal de resgate
"Meu filho ficou lá ontem [domingo] das 7h às 18h ajudando na corrente humana para tirar os baldes de terra e tentar ajudar a achar alguém", afirmou.
Junto a ela estava Adão Pereira Lopes, 51, que também mora na rua. "Eu queria estar lá, mas estou com o pé machucado e não consigo enfrentar o barro", disse, apontando o local das buscas que ocorria sem trégua da chuva nesta segunda.
Do outro lado do terreno, em cima de uma viela, o vendedor de bilhetes de loterias Nivaldo Ferreira Maciel, 67, gritava para quem passava em frente à sua casa que há 15 anos pede para vizinhos plantarem bambu no quintal. "Isso teria ajudado a segurar a terra."
Maciel afirmou que um sobrinho teve a casa destruída na tragédia. Segundo contou, a família ouviu um estalo no muro no meio da madrugada e deu tempo e só deu tempo de tirar a mulher, a filha e o cachorro do local. "Não conseguiram nem voltar para pegar o celular."
As escavações para as buscas por desaparecidos estão concentradas em um ponto dos escombros onde os bombeiros acreditam que estejam três corpos.
Por volta de 11h40, eles interromperam as buscas porque um oficial pediu cuidados com a segurança das pessoas que fazem a corrente humana nas escavações, feitas manualmente com pás e uma britadeira.
Enquanto às buscas não eram retomadas, o ajudante Gabriel Souza, 20, esperava em frente a uma das estreitas vielas no Parque Paulista, onde o sobe e desce de gente é constante.
Ele aproveitava para descansar um pouco do suado trabalho de repassar os baldes na área soterrada. E pensava nos dribles de Anderson da Costa, 26, um dos cinco mortos que até aquele horário haviam sido retirados do local.
"Ele era bom de bola", afirmou o jovem, morador na vizinha rua Amparo, que pelo segundo dia fazia o trabalho voluntário. Costa disse ter visto o resgate de corpos e de sobreviventes. "Um idoso e sua neta estavam um de frente para o outro com terra até o pescoço", contou.
Souza lembrou que viu o morro descer e saiu correndo em direção ao desabamento. Ele foi um dos primeiros a chegar. "Conhecia as pessoas que foram retiradas dali, como o Cléber [Bonfim], primo do Anderson", afirmou.
A também vizinha Miriam Aurora Monteiro, 46, foi mais uma que tirou o dia para ajudar no resgate de corpos e na procura de desaparecidos segundo os bombeiros, há relatos de que dez pessoas sumiram e podem estar nos escombros. "O Anderson era um bom moço, jogava sempre bola por aqui", recordou.
O dono de oficina mecânica Alexandre Marchi dos Santos, 29, encarou a lama na esperança de ajudar a achar o afilhado da mãe de seu filho. O garoto, com entre 7 e 8 anos, estaria entre os mortos, segundo lhe disseram. "Vim para ajudar com os baldes."
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MEDO
Depois de passar um domingo com um olho no céu e outro no terreno abaixo, Ronaldo Panome da Silva, 47, fechava a porta de casa com um saco de comida numa das mãos e um travesseiro na outra. A família estava indo embora do local, pelo menos até o tempo firmar de novo.
"Se o resto do barranco descer, vai atingir a casa em frente à minha", afirmou.
Silva mora em uma área com três casas da família imediatamente ao lado de onde os imóveis foram destruídos
"Conhecia todo mundo que morava ali", afirmou sobre o lamaçal abaixo de sua casa.