SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O gestor norte-americano especializado em mercados emergentes Mark Mobius diz que a guerra na Ucrânia não o fez promover alterações nos portfólios dos fundos da gestora Mobius Capital Partners.

Segundo ele, o foco já estava e segue voltado especialmente para mercados asiáticos como Índia, China, Taiwan e Coreia do Sul, que tendem até a se beneficiar dos conflitos entre Rússia e Ucrânia e do impacto econômico negativo no continente europeu.

No caso do Brasil, Mobius avalia que o mercado local apresenta boas perspectivas de crescimento mesmo em um cenário de alta dos juros.

Ele também acredita que os investidores estrangeiros devem se mostrar mais receptivos a uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ante o atual mandatário Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais no final do ano.

"Provavelmente o Lula traria uma confiança maior aos investidores estrangeiros", diz Mobius, em entrevista à Folha de S.Paulo, de Cingapura.



PERGUNTA - Qual impacto a guerra na Ucrânia traz para os mercados emergentes?

MARK MOBIUS - Há diferentes impactos a depender de quais países estamos falando.

Mas de forma geral países na Ásia, a China tendem a ser beneficiados, por causa desse evento e do impacto negativo para a economia da Europa. Além disso, regiões como o Brasil não devem ser afetadas negativamente de forma expressiva pela guerra.

O senhor fez mudanças na carteira por causa do evento? Não fizemos alterações na carteira recentemente, até porque as posições que temos não estão expostas diretamente aos impactos da guerra, principalmente na Ásia, que representa cerca de 70% da carteira dos fundos.

Nossos maiores investimentos hoje estão na Índia, Taiwan, Coreia, Vietnã, Brasil, África do Sul. Avaliamos que as posições não precisam de grandes mudanças. Além disso, não tínhamos posições na Rússia ou na Ucrânia e nem em qualquer país que fazia parte do bloco soviético.

As principais posições dos fundos estão na produtora de tubos de aço Apollo Tubes, da Índia, na EC HealthCare, do setor de saúde na China, e na Totvs, do setor de software no Brasil.

P. - A crise na Ucrânia aumenta o interesse por outros emergentes como o Brasil?

MM - Há de certa forma a percepção entre os investidores de que é uma boa ideia fazer a diversificação para outros emergentes, como na Ásia ou no Brasil. Acredito que os conflitos na Ucrânia ajudaram a reforçar essa ideia no mercado.

No entanto, o aumento da incerteza global atingiu todos os mercados, o que significa que a maior parte dos investidores está muito cautelosa neste momento, inclusive nós na Mobius Capital Partners.

P. - Qual sua visão sobre o Brasil em 2022?

MM - Vejo o mercado brasileiro com boas perspectivas neste momento. Os investimentos no país tiveram uma performance melhor do que os pares nos últimos meses, e talvez a razão para isso seja pela expectativa dos investidores de que o Lula vença as eleições. É preciso lembrar que, na época em que Lula foi o presidente, os mercados costumavam ter uma performance bastante positiva.

Sob o ponto de vista dos investidores estrangeiros, qual resultado das eleições brasileiras deve ser mais bem recebido? Neste momento eu diria que a vitória do Lula, porque provavelmente ele traria uma confiança maior aos investidores estrangeiros e porque ele tem um programa bastante ambicioso de investimentos, o que provavelmente traria um impulso para os ativos brasileiros de forma geral. Então provavelmente a vitória do Lula seria um cenário mais positivo para os mercados no Brasil.

P. - O senhor planeja alterar a exposição ao mercado brasileiro?

MM - Não temos a intenção de aumentar ou de reduzir a exposição que temos no Brasil, que consideramos que já é adequada. O Brasil hoje representa cerca de 10% da nossa carteira, com um pequeno aumento recentemente pela performance positiva das ações na região.

P. - Quais são as companhias preferidas no país?

MM - Nossas principais posições no mercado brasileiro hoje estão nos setores de varejo e de software. São os segmentos que mais nos atraem no Brasil hoje.

P. - O aumento da taxa Selic pode representar uma pressão negativa para os investimentos no país?

MM - No curto prazo, o aumento dos juros pode trazer alguma volatilidade para as ações, mas se você olhar em janelas de mais longo prazo, a correlação entre a taxa de juros e as ações é relativamente baixa. Por isso, não acredito que esse aumento da Selic será um grande problema para as ações no Brasil.

P. - Onde estão as melhores oportunidades entre os emergentes?

MM - Eu diria que é preciso olhar principalmente para a Ásia, com a Índia provavelmente no topo da lista, onde as perspectivas de crescimento nos parecem bastante promissoras, com um crescimento esperado para o PIB (Produto Interno Bruto) ao redor de 9% em 2022.

P. - Qual sua visão sobre as medidas recentes do governo chinês de maior intervenção sobre empresas com ações listadas nas Bolsas?

MM - O governo chinês está embarcando em um programa para garantir que os benefícios de uma nação mais rica sejam experimentados por todos os chineses, e não apenas pelos mais ricos.

Eles estão empenhados em garantir um ambiente de competição mais equilibrado, em que a parcela de menor renda da população tenha acesso não somente a uma boa educação e a padrões de vida mais elevados, mas também a um meio ambiente mais saudável.

O desafio é muito grande, tendo em vista que a maior parte, entre 70% e 80% da produção de energia elétrica na China, é proveniente de usinas de carvão. A poluição causada por essas plantas representa um importante desafio. Há um esforço em curso para reduzir essa produção de energia.

No longo prazo, as implicações são que a China importará menos combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, se voltando para fontes de energia mais amigáveis em termos ecológicos, como eólica, solar e nuclear, entre outras. Mas este é um processo de longo prazo e não irá acontecer rapidamente.

P. - O aumento dos juros nos Estados Unidos pode trazer impactos negativos para os emergentes?

MM - A alta de juros pelo Federal Reserve [banco central dos EUA] trará impactos negativos principalmente para os títulos no mercado de renda fixa. Mas para as ações esse movimento não deve ser tão significativo assim.

Raio-x | Mark Mobius, 85

Sócio fundador da gestora de recursos global Mobius Capital Partners.

Esteve por mais de 30 anos, até maio de 2018, no grupo Franklin Templeton Investments, à frente da divisão dedicada a mercados emergentes.