Velhos problemas assombram passageiros em trens concedidos em SP
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quinta-feira, 03 de março de 2022
WILLIAM CARDOSO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As linhas 8-diamante e 9-esmeralda dos trens saíram das mãos da CPTM e passaram à iniciativa privada, com a ViaMobilidade, há pouco mais de um mês. Os passageiros, porém, ainda convivem com velhos problemas de infraestrutura, conservação e manutenção das estações.
Recentemente também foram registradas ocorrências que levaram à paralisação dos trens e ao acionamento do sistema Paese, no qual muitas vezes as pessoas se espremem em ônibus lotados para chegar ao destino. Somente na linha 9, no último mês, foram duas paralisações provocadas por falhas no sistema de energia --a última, nesta quarta-feira (2).
O jornal Folha de S.Paulo visitou na última semana as 40 estações pelas quais passam as duas linhas sob concessão. O levantamento com alguns problemas detectados em cada uma delas, separadamente, pode ser visto abaixo, ao final desta reportagem.
Plataformas inacessíveis para quem tem dificuldade de locomoção, cobertura insuficiente para permitir embarque e desembarque em dias de chuva ou banheiro ausente são falhas que certamente exigem mais do que um mês para serem corrigidas, por exemplo. O contrato de concessão é de 30 anos, no valor de R$ 980 milhões.
Mas goteiras e infiltrações, banheiros sujos, privadas interditadas, mictórios entupidos, falta de sabonete e papel toalha nos lavatórios em plena pandemia, poças d'água nas plataformas, elevadores e escadas rolantes inoperantes e sinalização que omite a existência de estação entregue há quase quatro meses são problemas que, em tese, poderiam ter sido resolvidos.
Também há situações que envolvem a segurança dos usuários, agora chamados de clientes pelos alto-falantes da ViaMobilidade, um dos braços da CCR. Em ao menos 14 estações, parte dos espaços reservados para extintores estavam vazios.
Para tornar a vida dos passageiros menos desconfortável, estações antigas como a Antônio João, na linha 8, terão que ser reformadas. Nela, quem pretende passar de um lado a outro precisa atravessar sobre os trilhos, no intervalo dos trens, tendo como orientação apenas um agente de segurança, que controla o portão de ferro. Parte da plataforma tem colunas em frente às portas e o restante está descoberta, ao relento.
Ainda mais anacrônica é a estação Amador Bueno, parada final da extensão da linha 8. Para chegar até lá, é preciso fazer uma baldeação em Itapevi e pegar um trem antigo, fabricado em 1980, reformado em 2000, com janelas de guilhotina e sem ar condicionado. Passa só de 30 em 30 minutos e para o trânsito com cancelas em travessias em nível.
Mesmo na linha 9, mais moderna, as estações que cortam bairros ricos da zona oeste não têm nem mesmo escadas rolantes no lado direito da marginal Pinheiros para acessar a passarela que levará às plataformas. Para piorar, elevadores estão constantemente quebrados ou em manutenção. "Então, é desse jeito, fico cansada. O elevador está quebrado há mais de uma semana. Estou acima do peso, mas sou nova. Imagina os idosos, pessoas que não têm condições", disse a atendente Maiara dos Santos, 27, logo depois de passar pelas escadas da estação Granja Julieta.
Não são poucos os degraus que os passageiros têm que encarar na maioria das estações. Na Presidente Altino, por exemplo, que serve às duas linhas, são 36 entre a plataforma e o saguão. Uma montanha para quem trabalhou o dia inteiro.
Não é apenas a infraestrutura das estações que preocupa passageiros e conhecedores do sistema. Problemas ocorridos nas últimas semanas acendem o alerta sobre a operação, com foco no sistema elétrico, que é o que faz as composições se movimentarem.
A passagem de bastão entre a CPTM e a ViaMobilidade pode ter saído dos trilhos justamente na qualificação da mão de obra dos novos funcionários responsáveis pela manutenção, segundo o presidente do Sindicato dos Ferroviários da Zona Sorocabana, José Claudinei Messias.
"Sem dúvida, nas duas linhas, o maior problema é a falta de treinamento em tempo suficiente para os novos funcionários", afirma Messias. "A mão de obra para as linhas 8 e 9 foi contratada [pela concessionária] e alguns vieram do metrô. A realidade é diferente [entre metrô e CPTM] e alertamos a ViaMobilidade sobre isso no final do ano passado", explica.
O doutor pela Escola Politécnica da USP e especialista em transportes Telmo Giolito Porto vê questões técnicas a serem resolvidas nos sistemas de energia. "Pelo que sei, isso está claro para eles. Inclusive, planejando investimentos", diz. "Aumento de capacidade de subestação é a mãe desses problemas desses últimos meses", afirma.
O especialista afirma, entretanto, que a compra e o pagamento dos novos trens é o que mais pesará no início da operação da ViaMobilidade.
Segundo Porto, a negociação foi baseada em um prazo de pagamento bastante restrito, o que foi apontado pela fornecedora Alstom como fundamental para manter o preço. "Se olhar a concessão, o que mais pesa é trem. A parte civil [infraestrutura das estações, por exemplo] e de sistemas de operação são valores relativamente menores que em outras concessões", diz. "Ali, o negócio era colocar trem."
O especialista afirma que as linhas 8 e 9 foram oferecidas porque são aquelas que seriam mais rapidamente concedidas. Entre os motivos está o fato de serem pertencentes à antiga Fepasa, também do governo estadual, com tecnologia menos complicada que a da linha 7-rubi, por exemplo, pertencente no passado à rede federal. Também diz que são atrativas do ponto de vista econômico, principalmente depois que a 9 passou a contar com a integração a estações de metrô, recebendo mais passageiros.
Resposta
A ViaMobilidade diz que, desde a assinatura do contrato de concessão, em 30 de junho, fez reuniões de consultoria, transferência de funções e treinamentos de equipes para a "realização do melhor processo de incorporação das linhas pela concessionária". "O compromisso com a segurança é o principal ativo da companhia, que investe em treinamentos e na capacitação constante de seus colaboradores", disse, em nota.
A concessionária também afirmou que tem um diagnóstico da atual estrutura das linhas e estruturou um plano de ação para o primeiro ano de operações com investimentos importantes. O foco será a modernização da via permanente (trilhos) e da rede aérea (sistema responsável pela transmissão de energia elétrica para movimentação dos trens), segundo a empresa.
A ViaMobilidade diz também que, até fevereiro de 2023, como previsto em contrato, deve realizar reformas em sete estações: Grajaú, Santo Amaro, Santa Terezinha, Sagrado Coração, Comandante Sampaio, Imperatriz Leopoldina e Lapa.
No período, também pretende implantar duas passarelas: uma entre o Parque Villa-Lobos e a ciclovia rio Pinheiros; outra no quilômetro 42 da linha 8-diamante. "Uma segunda fase do plano de ação também está prevista para o 2º, 3º e 4º ano da concessão, o que inclui a modernização de outras 29 estações", disse.
A concessionária acrescentou que comprou 36 novos trens da Alstom.
Segundo a Via Mobilidade, ao todo, nos próximos 30 anos, as linhas 8 e 9 receberão investimentos de R$ 3,8 bilhões. Estão previstas a construção da estação Ambuitá, na linha 8-diamante, a implantação de um novo CCO (Centro de Controle Operacional) e a reforma no pátio Presidente Altino.
A concessionária diz que todas as melhorias envolvem logística complexas e deverão ocorrer ao longo da operação regular das linhas. A empresa afirma que o processo de atualização dos sistemas é transitório e que, ao final, "resultará em uma infraestrutura de transporte públicos sobre trilhos mais moderna e com maior capacidade de atender com conforto e segurança nossos clientes".
A CPTM afirma que a concessão foi a alternativa "viável e inovadora" encontrada para buscar recursos na iniciativa privada e efetuar investimentos nessas linhas sem a necessidade de aporte financeiro pelo governo estadual.
A companhia diz que a linha 9-esmeralda possui 100% da infraestrutura acessível. "A adaptação completa, de acordo com as normas da ABNT, das estações não acessíveis da linha 8-diamante está prevista nas obrigações da concessionária."
A CPTM declara ainda que tem um rigoroso planejamento de manutenção preventiva e preditiva realizada em via permanente, manutenção de equipamentos, estações, pátios, bases e veículos. E que esse plano se manteve em 2021 para tudo que administra.
Segundo a CPTM, todo o processo de concessão foi acompanhado pela CMCP (Comissão de Monitoramento de Concessão e Permissões), órgão da Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos.
O que foi encontrado
LINHA 8-DIAMANTE
- Júlio Prestes
Paredes descascadas
Banheiro sem sabonete e sem papel-toalha
Lixo na via
- Barra Funda
Sob gestão compartilhada (usa apenas uma plataforma)
- Lapa
Infiltrações
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Sem escada rolante
Plataforma parcialmente descoberta
Extintor ausente em local com demarcação
- Domingos de Moraes
Sem escadas rolantes
Infiltrações Banheiro sem papel-toalha
Antiderrapante desgastado nas escadas convencionais
- Imperatriz Leopoldina
Piso desgastado, com buracos
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Sem escadas rolantes
Sinalização desgastada
Extintor ausente em local com demarcação
Infiltrações
Sem banheiro
- Presidente Altino (compartilhada com a 9-esmeralda)
Sem escadas rolantes
Plataforma com estreitamento e sem cobertura em alguns trechos
Extintor ausente em local com demarcação 36 degraus de escada convencional (exemplo de problema comum a outras estações)
- Osasco
Sem escadas rolantes (compartilhada com a 9-esmeralda)
Estreitamento de plataforma
Banheiro imundo, com mictório entupido
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
- Comandante Sampaio
Sem escadas rolantes
Extintor ausente em local com demarcação
Estreitamento de plataforma
Banheiro imundo
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
- Quitaúna
Elevadores em manutenção
Sem escada rolante
Extintor ausente em local com demarcação
- General Miguel Costa
Extintor ausente em local com demarcação
Sem escada rolante
Sem elevador
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Sem banheiro
- Carapicuíba
Extintor ausente em local com demarcação
Sem escada rolante para acessar a passarela da estação (só para chegar ou sair da plataforma)
Aviso de piso molhado em local com marca de goteiras, embora não estivesse chovendo no dia
- Santa Terezinha
Extintor ausente em local com demarcação
Sem escada rolante
Banheiro na plataforma acessível só com chave dos agentes de segurança
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
- Antônio João
Plataforma parcialmente descoberta
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Colunas em frente às portas no embarque e desembarque
Banheiro sem água e apenas em um lado do embarque
Passageiros atravessam de um lado a outro da estação caminhando sobre trilhos
Vão largo entre trem e plataforma
- Barueri
Extintor ausente em local com demarcação
Estreitamento de plataforma
Banheiro sem sabonete
Cano exposto no banheiro
- Jardim Belval
Parte dos letreiros está apagada
Fone da plataforma depredado
- Jardim Silveira
Banheiro sem água na torneira
Parte dos letreiros apagados
Fone da plataforma depredado
- Jandira
Escada rolante desligada (desde o dia anterior, segundo usuário)
Banheiro com saboneteira destruída
Mictório com vazamento e improviso no cano do ralo
Extintor ausente em local com demarcação
Fiação exposta
- Sagrado Coração
Plataforma parcialmente descoberta
Hidrante depredado
Antiderrapante e faixa amarela desgastados na borda da plataforma
Sem sinalização para deficientes visuais
Sem escadas rolantes
Sem elevador
Estreitamento de plataforma
- Engenheiro Cardoso
Antiderrapante desgastado
Extintor ausente em local com demarcação
Invasão de via
Pichação em hidrantes
Vazamentos em calhas
Sem escadas rolantes
- Itapevi
Área descoberta na plataforma para Amador Bueno
Banheiro com pia destruída
Aviso de que banheiro fica fechado das 22h às 6h
Goteiras
Fiação exposta
- Santa Rita
Sinalização para deficientes físicos e faixa amarela desgastados
Saída da estação por passagem de nível
Estação parece apenas uma pequena parada
- Amador Bueno
Sinalização para deficientes físicos e faixa amarela desgastados
Saída da estação por passagem de nível
LINHA 9 - ESMERALDA
- Mendes
-Vila Natal
Goteira no saguão
Bicicletário ainda em construção
- Grajaú
Cobertura da plataforma não impede que passageiro se molhe no momento do embarque e desembarque
Escada rolante desligada na descida para a plataforma
Mau cheiro no banheiro
Privada interditada
- Primavera-Interlagos
Cobertura da plataforma não impede que passageiro se molhe no momento do embarque e desembarque
Escada rolante de acesso à plataforma desligada
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Extintor ausente em local com demarcação
- Autódromo
Cobertura da plataforma não impede que passageiro se molhe no momento do embarque e desembarque
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Demarcação de extintores apagada
Degrau na plataforma
Goteiras
Ferrugem no teto
Placas de piso emborrachado se soltando
- Jurubatuba
Cobertura da plataforma não impede que passageiro se molhe no momento do embarque e desembarque P
lataforma tem poças gigantescas
Vazamentos e goteiras
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Sem escada rolante
Extintor ausente em local com demarcação
- Socorro
Cobertura da plataforma não impede que passageiro se molhe no momento do embarque e desembarque
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Goteiras
Poças na plataforma
Plataforma tão descuidada que cresce até mato nos vãos da área de embarque
Painel apagado
- Santo Amaro
Ligação com metrô cheia de goteiras
Piso escorregadio na plataforma
Piso desgastado
Banheiro só na margem esquerda do rio, na área da linha 5 do metrô, uma caminhada de cerca de 400 metros, com escadas rolantes
Plataforma alagada
- João Dias
Letreiro em vagões de diversos trens ignora a existência da estação
Não tem bilheteria em operação
Sem escada rolante para descer após a passarela sobre a marginal Pinheiros
Papel sobre a pia, sem dispensador
- Granja Julieta
Antiderrapante desgastado na borda da plataforma
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Elevador quebrado há mais de uma semana
Sem bilheteria
Mictórios interditados
- Morumbi
Goteiras
Poças
Piso desgastado
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Estreitamento da plataforma impede que se respeite o aviso para não cruzar a faixa amarela
- Berrini
Goteiras
Poças
Banheiro sem sabonete e sem papel toalha
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Elevador há dois meses em manutenção
- Vila Olímpia
Placas de borracha se soltando no piso
Goteiras
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Banheiro sem sabonete
Emendas da passarela criam degrau
- Cidade Jardim
Goteiras
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Banheiro com goteiras
- Hebraica-Rebouças
Escada rolante para descer à plataforma desligada
Goteiras
Degraus nas emendas da passarela
Extintor ausente em local com demarcação
Elevador em manutenção
Sem escada rolante no acesso à passarela sobre a marginal Pinheiros
Banheiro com privada interditada
Infiltrações
- Pinheiros
Plataforma tem piso com padronagem diferente em cada extremidade
Extintor ausente em local com demarcação
Buracos na plataforma Iluminação de "boate" (escura)
Rampa para deficientes no banheiro com antiderrapante desgastado
Escadas rolantes apenas sobem da plataforma para a passarela (não são usadas para descida)
- Cidade Universitária
Sem escadas rolantes
Goteiras
Infiltração
Trechos completamente descobertos na plataforma
Escada com antiderrapante desgastado
- Villa-Lobos-Jaguaré
Sem escadas rolantes
Goteiras
Trechos completamente descobertos na plataforma
Escada com antiderrapante desgastado
Rampa de acesso ao banheiro interditada
- Ceasa
Sem escadas rolantes
Goteiras
Trechos completamente descobertos na plataforma
Escada com antiderrapante desgastado

