SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A compra da SulAmérica pelo grupo hospitalar Rede D'Or, anunciada nesta quarta (23), não deve trazer mudanças imediatas para os clientes da seguradora, segundo especialistas consultados pela reportagem. Apesar de as empresas negarem que haverá modificações, advogados e entidades de defesa do consumidor, como o Procon, revelam preocupação com a rede credenciada e a concentração do setor.

Por regra, a incorporação não poderá acarretar em alterações que prejudiquem o segurado, seja no valor da mensalidade, índice de reajuste ou condições contratuais. O anúncio, porém, aprofunda a tendência de verticalização no setor de saúde: quando instituições passam a ser donas de todas as frentes de atendimento médico, como clínicas, laboratórios e hospitais.

À reportagem, a seguradora informou que o cliente da SulAmérica continuará usando seus produtos e serviços da mesma forma que usa atualmente. A associação entre os negócios, que precisa passar pela aprovação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e dos acionistas das empresas, será feita por meio da unificação das bases acionárias.

Em comunicado divulgado ao mercado, as companhias disseram que vão seguir com operações de forma independente em seus setores de atuação.

"A SulAmérica manterá seus compromissos com seus mais de 7 milhões de clientes, 30 mil corretoras e parceiros comerciais, e mais de 23 mil prestadores de serviços contratados. A Rede D'Or, por sua vez, continuará oferecendo as melhores relações comerciais de longo prazo às mais de 300 operadoras parceiras e a seus pacientes o melhor que a medicina contemporânea pode oferecer", diz o texto.

Melissa Dietrich, sócia do escritório Farah Kanda Advogados, especializado na área de saúde, diz que a empresa deverá manter a mesma rede credenciada, tipo de cobertura, contrato, mensalidade, índice de reajuste e coparticipação.

Segundo ela, o que pode variar são questões burocráticas, como canais de atendimento e centrais de reembolso, por exemplo. Ainda assim, os segurados precisam ser avisados com antecedência.

"Uma vez autorizada [a operação] pela ANS, será estabelecido um prazo e todos os clientes da SulAmérica precisarão ser individualmente comunicados de que, a partir de determinada data, o seguro será administrado por outra empresa [se for o caso]", diz.

Procurada para explicar o que pode acontecer com os clientes da SulAmérica, a ANS se limitou a dizer que a operação ainda precisa ser submetida à aprovação e que vai aguardar a apresentação da documentação necessária.

Rafael Robba, advogado especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva, diz que a aprovação da operação é legalmente viável, desde que a Rede D'Or consiga garantir que tem capacidade econômica para manter a carteira de clientes com as mesmas condições contratuais que os clientes da SulAmérica têm hoje.

O advogado lembra que, recentemente, o processo de negociação da administradora de planos da Amil foi barrado por esses motivos. Na decisão, tomada no último dia 8, a ANS questionou a capacidade financeira dos sócios envolvidos na operação.

No início do mês, o jornal Folha de S.Paulo mostrou casos de clientes aflitos com a iminente mudança de mãos dos planos da Amil. Segundo relatos, a rede credenciada da companhia encolheu nos últimos meses, sem aviso prévio.

Atualmente, a Rede D'Or tem 65 hospitais pelo país. Por ser o maior grupo hospitalar privado do Brasil, Robba acredita que a empresa vai querer incorporar seus hospitais à rede credenciada da SulAmérica. No entanto, ele ressalta que o consumidor não pode ter prejuízo, seja na qualidade ou na amplitude do atendimento.

"Para uma operadora substituir um hospital, ela precisa avisar o consumidor com 30 dias de antecedência e colocar outro equivalente no lugar", afirma. "Se tiver algum paciente internado, a empresa também deve garantir a cobertura do tratamento naquele hospital até que ele receba alta definitiva", acrescenta.

Segundo ele, a regra é não haver mudanças, mas na prática existem situações que lesam os direitos do consumidor. "O que me preocupa é em relação à rede credenciada, espero que a Rede D'Or não descredencie outros hospitais para manter só os dela."

Procurado, o grupo hospitalar reiterou o trecho do comunicado divulgado na quarta em que diz que as operações seguirão independentes.

Apesar da preocupação, Robba considera ser difícil que algo semelhante ao que aconteceu com clientes da Amil se repita. A aquisição, ele diz, está sendo feita pela maior rede hospitalar privada do Brasil, que é sólida economicamente.

Melissa Dietrich, do escritório Farah Kanda, também avalia que a manutenção da rede credenciada é uma incógnita. No entanto, a advogada acredita que a aquisição pode até ser positiva nesse quesito, caso a Rede D'Or ofereça uma rede maior para os segurados.

Fernando Capez, diretor-executivo do Procon de São Paulo, considera a união das companhias uma forma de diminuir a concorrência, com possibilidade de formação de cartel e dominação dos preços.

"O Procon vê com preocupação a venda da Sulamérica para a Rede D'Or. Embora o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] não tenha visto, vai haver risco de dominação do mercado, tanto no setor hospitalar, quanto no setor de seguros", diz.

"Temos medo de que, no futuro, exista só o sistema público de saúde e a Rede D'Or, não mais o sistema privado", acrescenta.

Além da questão financeira, o diretor diz que uma possível concentração de mercado poderia colocar em risco a manutenção das coberturas e da rede credenciada.

"Tendo a dominação, isso permitirá que se fixe as condições que bem entender para o segurado."

O que preocupa a advogada Melissa Dietrich são as recentes aquisições de companhias de planos de saúde. Segundo ela, desde que a ANS entrou em operação, o número de operadoras vem diminuindo.

"A gente começa a pensar numa concentração de mercado dos planos de saúde. Cada vez que concentra mais, o beneficiário sai prejudicado", afirma.

Em dezembro, a seguradora havia anunciado a compra da Sompo Saúde, por R$ 230 milhões. Contudo, a empresa não explicou como a aquisição pela Rede D'Or vai afetar esses beneficiários. Segundo ela, apenas a assinatura do negócio com a Sompo foi realizada até o momento.

A companhia não detalha a proporção de planos individuais e familiares, mas, segundo relatório financeiro do ano passado, eles representam uma pequena fatia do negócio: 11% do total de receitas na área de saúde e odontologia vêm desses planos.

O diretor-executivo do Procon lembra que o órgão já multou e processou todos os planos de saúde, para ter acesso às despesas reembolsáveis pelas operadoras no ano anterior e conseguir calcular qual a margem justa de reajuste. "Hoje é feito sem transparência, então não sabemos o que é ganância e o que é recomposição de equilíbrio contratual."