SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A obrigatoriedade do uso de máscaras em locais fechados não existe mais em São Paulo, mas advogados ouvidos pela Folha dizem que as empresas ainda podem, a partir de suas políticas internas, exigir o uso da proteção respiratória em suas dependências.

Desde a quinta-feira (17), as máscaras só são obrigatórias em hospitais, serviços de saúde, no transporte coletivo e em seus acessos (estações e terminais).

Na sexta (18), prefeituras do ABC paulista anunciaram a adoção da flexibilização. Na capital, o governo municipal já disse que acompanhará a decisão estadual, dispensando a obrigatoriedade das máscaras. Desde o dia 9, o uso já não era mais obrigatório em espaços abertos, como ruas, praças e parques.

A portaria conjunta 14, dos ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência, que estabelece medidas para reduzir os risco de transmissão de Covid-19 no ambiente de trabalho, respalda a possibilidade de a proteção individual ainda ser exigida. Essa norma alterou publicação anterior e prazos de afastamento para trabalhadores contaminados, mas manteve a máscara entre as medidas de proteção.

Os dois tribunais do trabalho de São Paulo -o TRT-15, sediado em Campinas, e o TRT-2, da Grande SP e baixada santista-, por exemplo, anunciaram que manterão a necessidade de utilização da máscara facial para ingresso e circulação em suas dependências.

No TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), por outro lado, além das máscaras, aferição de temperatura e apresentação de comprovante de vacinação também foram derrubados nesta sexta (18).

O procurador-geral do trabalho, José de Lima Ramos Pereira, diz que ainda avalia dados epidemiológicos para se posicionar sobre a flexibilização no uso da proteção respiratória.

Em nota à reportagem, o chefe do Ministério Público do Trabalho diz que a instituição vê nas máscaras um importante instrumento de proteção. Afirma também que, no caso de duas regras divergentes estarem em vigor, a mais protetiva deve ser aplicada.

"Os ambientes de trabalho têm suas peculiaridades e é necessária uma avaliação de risco de cada atividade e função. Como as pessoas passam muitas horas dentro desses locais, o uso de máscaras é uma proteção coletiva e individual", diz.

Veja o que advogados dizem sobre o assunto:

1) As empresas ainda podem obrigar o uso de máscaras?

Na avaliação da advogada Flávia Azevedo, sócia da área trabalhista do Veirano Advogados, as empresas podem manter a obrigação do uso da proteção respiratória, mas devem justificar a regra a partir de uma política interna.

Isso pode ser feito de maneira relativamente simples, por meio de um email ou comunicado em local público e de fácil acesso por todos os funcionários.

Para o advogado Jorge Matsumoto, do escritório Bichara, as empresas são obrigadas a proteger seus funcionários. "Sob a ótica constitucional, mesmo que haja norma desobrigando, se a empresa sentir necessidade de manter, ela pode", afirma.

Além da portaria dos ministérios da Saúde e do Trabalho e Previdência, o advogado afirma que a situação de pandemia dá condições de as empresas manterem a obrigação de máscaras de proteção em seus espaços.

O advogado Bruno Tocantins, do escritório Tocantins e Pacheco, discorda. Para ele, a exigência ainda é cabível apenas em ambientes com grávidas ou pessoas de grupos de risco. Nos demais, ele recomenda que a máscara seja vista como facultativa.

"A empresa tem o direito de fazer a exigência, mas vai enfrentar resistência. Se o empregado decidir que não vai usar, ele está respaldado pelo decreto", afirma. Uma solução, na avaliação do advogado, seria a empresa mapear setores com funcionários mais suscetíveis. A política interna seria definida a partir desse diagnóstico.

2) Posso pedir que o uso de máscara seja mantido na empresa em que trabalho?

O empregado pode pedir, por meio do departamento de recursos humanos, a reavaliação da dispensa no uso da proteção respiratória. Entretanto, cabe à empresa o poder de decidir sobre o assunto.

Para a advogada Flávia Azevedo, os trabalhadores têm o direito de manter suas condutas individuais em relação ao assunto. Portanto, quem se sentir mais seguro com a proteção, deve manter o uso, e não deve ser constrangido por isso.

Tocantins diz considerar que o tema é sensível, pois mexe com a sensação de segurança de cada funcionário. "Pode ter gente que diga que sem [a exigência da] máscara, não vai trabalhar", afirma.

O advogado relata que, entre seus clientes, a maioria já optou por tornar a proteção respiratória facultativa -Tocantins atua no Rio de Janeiro, onde a dispensa foi oficializada no início do mês.

3) Como empregado, posso pedir que o uso de máscara seja banido? A empresa pode obrigar o funcionário a usar a proteção?

A empresa pode manter a exigência e, uma vez que essa obrigação estiver entre as políticas da empresa, ela é incorporada ao contrato de trabalho. Na prática, isso quer dizer que o funcionário pode ser visto como insubordinado se desrespeitar a decisão da empresa em relação às máscaras.

Na avaliação do advogado Daniel Santos, sócio trabalhista do escritório Machado Meyer, as empresas não podem banir o uso da proteção respiratória enquanto a portaria 14 estiver em vigor. "Cabe à União legislar em relação a questões do trabalho. Por isso, entendo que o recomendável é manter os empregados usando máscara."

A recusa no uso da proteção pode ser vista, diz o advogado, como insubordinação. Esse tipo de comportamento rebelde é um dos que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) lista como passíveis de demissão por justa causa.

Flávia Azevedo, do Veirano, concorda, mas ressalta que é necessário comunicar a exigência. "Isso não pode ser feito 'de boca'. Pode ser um email ou um comunicado, mas precisa ser formalizado."

4) Empresas e órgãos públicos ainda podem exigir o uso máscara? Uma loja pode fazer essa exigência?

Alguns órgãos públicos, como os TRTs de São Paulo, já definiram que manterão a obrigatoriedade para funcionários e também para pessoas que acessam suas dependências.

O professor de direito do trabalho Ricardo Calcini diz que, em relação aos funcionários, não há dúvida de que cada empresa ou repartição decide de acordo com seus parâmetros internos.

Esse poder de decidir vale também para quem usa esses serviços. "O estabelecimento é ditado pelas regras da própria empresa, então mesmo que autoridades locais tenham dispensado o uso de máscara, se for decisão da empresa, ela pode exigir."

Na avaliação do advogado Jorge Matsumoto, do Bichara, a lógica é similar àquela que pode levar as empresas a manterem a obrigatoriedade no uso de máscaras. "Os funcionários estão em uma situação de vulnerabilidade no contato com outras pessoas. Prevalece o princípio da precaução."