SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Além das articulações entre partidos e do histórico de troca de farpas antigas entre Lula e Alckmin, a possível aliança entre o petista e o ex-tucano para a chapa da disputa presidencial de 2022 terá que transpor rusgas surgidas entre o PT paulista e o ex-governador durante seus mandatos à frente do Executivo de São Paulo.

Geraldo Alckmin, agora cotado para ser vice de Lula em uma candidatura à Presidência, comandou o governo paulista de 2001 a 2006 e de 2011 a 2018, por quatro mandatos.

Ao longo do período, o PT de São Paulo foi o principal partido de oposição de seus governos e tentou por diversas vezes abrir CPIs na Alesp (Assembleia Legislativa) para investigar Alckmin, especialmente sobre o caso que envolvia suspeitas de cartel para obras do Metrô e da CPTM —chamado por petistas de trensalão.

Integrantes do PT também acusavam o governo Alckmin de incentivar a truculência policial e faziam críticas às privatizações propostas pelo então titular do Palácio dos Bandeirantes.

Entre os episódios de ataque de petistas ao governo Alckmin estiveram o caso da desocupação do Pinheirinho, que completa dez anos no sábado (22). Na ocasião, houve uma reintegração de posse em São José dos Campos (SP) que ficou marcada por denúncias de violações de direitos humanos por PMs contra as 1.600 famílias no terreno.

O PSDB comanda o Governo de São Paulo desde 1995 —à exceção de breves períodos em que vices de outras legendas assumiram a gestão.

Além desse histórico, conforme mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, um abaixo-assinado online no site Avaaz, contrário à aliança entre Lula e Alckmin, iniciado em 30 de dezembro, teve entre os signatários nomes como os ex-presidentes do PT Rui Falcão e José Genoino.

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TRENSALÃO

Rui Falcão, em 2013, então presidente do PT, cobrou o julgamento do mensalão tucano, que envolve políticos do PSDB de Minas Gerais, e questionou um suposto tratamento diferenciado da imprensa em relação ao trensalão do governo tucano de São Paulo.

Em 2014, o deputado estadual pelo PT Antônio Mentor também falou sobre o caso. "Os promotores paulistas passaram seis anos sentados no processo do trensalão. Tiverem de ir à Suiça para ver o que é independência", disse sobre a investigação do Ministério Público paulista do cartel em licitações de trens.

No mesmo ano, o então presidente estadual do PT, Emídio de Souza, falou sobre os ataques promovidos por dirigentes e congressistas do PSDB ao PT no escândalo da Petrobras. "Os tucanos que hoje gritam contra o PT são os mesmos que emudeceram quando o PSDB foi apanhado no trensalão em São Paulo", disse.

O caso do trensalão foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo. As situações relatadas ocorreram de 1998 a 2008 e compreendem as gestões Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra, todas do PSDB.

A Folha de S.Paulo mostrou que a Promotoria da Suíça, após esperar por quase três anos pela cooperação do Brasil, arquivou investigações sobre suspeitos de intermediar o pagamento de propinas da Alstom para políticos do PSDB e servidores do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

​Em abril de 2015, o site do PT publicou texto fazendo acusações de corrupção contra Alckmin.

No texto assinado como "Agência PT de Notícias", os petistas dizem que "dos R$ 40,3 milhões arrecadados com doações de campanha pelo então candidato tucano Geraldo Alckmin, ao governo de São Paulo, em 2014, R$ 12,37 milhões tiveram origem nas 13 empresas denunciadas por fraudes e formação de cartel em contratos relativos à linha 5 do metrô paulistano, o chamado caso do 'trensalão tucano'".

PRIVATIZAÇÕES

Ao longo dos governos de Geraldo Alckmin, os petistas se queixaram de que a base governista protocolava pedidos "sem relevância" para evitar apurações contra o ex-tucano.

"[Eles apresentam] diversos pedidos no primeiro dia da legislatura para inviabilizar CPIs que coloquem em xeque o Executivo", disse em 2013 Luiz Claudio Marcolino, líder do PT na Assembleia Legislativa.

No mesmo ano, em discurso na tribuna da Casa, o deputado voltou a criticar o governo Alckmin e mencionou a privatização dos bancos Banespa e Nossa Caixa, ambos vendidos pelo governo estadual.

Ele também criticou a proposta de venda dos parques Cantareira e Jaraguá. "As privatizações chegaram ao limite. Não podemos deixar venderem os nossos parques."

As privatizações no governo Alckmin já vinham sendo alvo de petistas bem antes disso. Em 2001, na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado Hamilton Pereira (PT) criticou a venda do Banco Nossa Caixa.

"É mais uma forma de o governo tucano promover privatizações assim como já fez com outros patrimônios do estado de São Paulo, um crime contra a economia estadual e extremamente lesivo aos interesses do povo paulista."

Em maio de 2014, a CPI dos Pedágios foi criada para apurar eventuais irregularidades nas tarifas cobradas pelas concessionárias nas rodovias paulistas e eventual responsabilidade do governo Alckmin no caso. O deputado estadual Antônio Mentor (PT) foi o proponente e também o vice-presidente da CPI.

Na época, o deputado estadual Gerson Bittencourt (PT) criticou a escolha para a presidência da CPI do deputado estadual Bruno Covas, neto do ex-governador Mário Covas, do PSDB. Os contratos de pedágio firmados na administração do tucano também estavam sob investigação da comissão de inquérito.

VIOLÊNCIA POLICIAL

Neste sábado (22), a desocupação do Pinheirinho completa dez anos, e a data tem levado militantes petistas e apoiadores a cobrar o PT por conta da aproximação com Geraldo Alckmin e de uma possível chapa com Lula, conforme mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo

O ex-tucano era governador de SP quando aconteceu a reintegração de posse em São José dos Campos, que ficou marcada por denúncias de violações de direitos humanos por PMs contra as 1.600 famílias no terreno.

Diversos parlamentares do PT, como Eduardo Suplicy e Adriano Diogo, tiveram papéis importantes na ocasião, ajudando a amplificar as demandas da comunidade e a denunciar os abusos.

Os 2.000 PMs mobilizados na ação detiveram 32 pessoas, das quais nove ficaram presas. Os feridos foram dez, segundo informações oficiais.

O terreno pertencia à massa falida do grupo Selecta, do investidor Naji Nahas.

Em um outro caso de suspeita de abuso policial durante o governo Alckmin em São Paulo, o site do PT divulgou texto no qual afirmava que diversos parlamentares da legenda manifestaram preocupação com os casos de violência policial no Brasil.

A publicação ocorreu em 2016, após a morte de cinco jovens da cidade de Mogi das Cruzes (SP) com suspeita de participação de policiais no crime.

Os jovens haviam desaparecido no dia 21 de outubro, daquele ano e foram encontrados algumas semanas depois. Ao lado dos corpos foram encontrados cartuchos de pistolas .40, de uso exclusivo da PM (Polícia Militar) de São Paulo.

PCC

Além da violência policial, outros aspectos da segurança no estado de São Paulo também foram temas recorrentes no discurso de petistas durante o governo Alckmin. Em uma entrevista à Folha de S.Paulo, em 2014, Alexandre Padilha (PT-SP) criticou a política de segurança pública do governo.

"E, nestes 20 anos, o que nós vimos foi a criação do PCC, em vez de o PSDB conseguir criar uma política de segurança, uma polícia mais presente, mais próxima da população, com ações cada vez mais inteligentes. O PCC é uma criação dos vinte anos do governo do PSDB, não existia antes e hoje tem."

DESVIOS NA MERENDA

Já em 2016, após a criação da CPI da Merenda na Assembleia, o líder do PT na Casa, Zico Prado, afirmou que a oposição iria agir para que a comissão não perdesse o foco.

"Se o município tem problema, nós não vamos deixar de punir, mas não vamos também deixar que o governo foque do lado dos municípios", disse. "É por isso que queríamos a nossa, mas não podemos ficar fora de uma CPI só porque não é a nossa."

Os deputados da base do governo Alckmin apresentaram e conseguiram aprovar uma proposta de CPI da Merenda alternativa à feita pelo PT, que não prosperou.

Assim, além dos contratos com o estado que apresentavam suspeita de desvios nas verbas destinadas às merendas escolares, os governistas conseguiram incluir a investigação de ao menos 20 prefeituras do estado.

CORRUPÇÃO NAS OBRAS DO RODOANEL

Em 2017, os petistas de São Paulo apostaram nas delações da Odebrecht para pedir a instalação de uma CPI para investigar obras da empreiteira no estado.

Entre as maiores obras citadas pela construtora estavam a linha 2-verde do Metrô, o Rodoanel Sul e a rodovia Carvalho Pinto, todas de governos tucanos.

Alckmin também foi citado na delação por suposto recebimento de caixa dois –o caso dele foi remetido ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), na época, devido ao foro como governador.

Em 2021, uma manobra de aliados do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin e do atual governador, João Doria, ambos então no PSDB, travou a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), na Assembleia Legislativa, que investigaria suspeitas de corrupção relacionadas às gestões tucanas.

À espera da instalação desde 2019, quando Doria assumiu o governo, a CPI da Dersa (estatal paulista de rodovias) estava prevista para ser iniciada no começo do ano passado.

Um questionamento (instrumento formalmente chamado de questão de ordem) apresentado pelo deputado estadual Campos Machado (Avante), apoiador de Alckmin, e não respondido pelo presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), próximo de Doria, impediu que a CPI fosse criada no ano passado.

O requerimento da CPI da Dersa, apresentado pela então deputada Beth Sahão (PT) em 2019, previa a análise de eventuais irregularidades praticadas por agentes públicos que "deram causa a fraude nas licitações e contratos do governo do estado".

Esses agentes públicos, diz o requerimento, são suspeitos de desviarem "recursos públicos, utilizando-se de empresas de fachada para lavagem de recursos de empreiteiras nessas obras viárias, por meio da atuação do Sr. Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, no período de 2007 a 2019".

Também há suspeitas de irregularidades no trecho norte do Rodoanel, cuja obra foi iniciada em 2013, na gestão Alckmin, e ainda não foi concluída.

Na época, o deputado estadual ​Paulo Fiorilo (PT) afirmou que o partido havia questionado à Mesa Diretora da Alesp sobre a demora para a instalação da CPI da Dersa e cogitava, a exemplo do que ocorreu em Brasília para a instalação da CPI da Covid, recorrer ao Judiciário.

"Não tem como fugir. É um absurdo que as CPIs não tenham sido instaladas, em especial a da Dersa, para trazer informações importantes, que foram negadas até agora, sobre um esquema de corrupção histórico", diz ele.