Varejo cresce em janeiro, mas não recupera perdas da pandemia
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quinta-feira, 10 de março de 2022
LEONARDO VIECELI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O volume de vendas do comércio varejista no Brasil teve alta de 0,8% em janeiro, na comparação com dezembro, informou nesta quinta-feira (10) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O avanço, contudo, veio concentrado em parte do setor, já que apenas três das oito atividades comerciais pesquisadas registraram taxas positivas no primeiro mês de 2022.
A alta de 0,8% ficou acima das expectativas do mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam elevação de 0,3%.
Mesmo com o avanço, o varejo ainda está abaixo do patamar pré-pandemia. Encontra-se em nível 1% inferior ao de fevereiro de 2020, antes dos efeitos econômicos gerados pela Covid-19.
O setor também está 6,5% abaixo do pico da série histórica, registrado em outubro de 2020. Isso sinaliza que, ao longo da crise sanitária, a reação do setor perdeu fôlego, em meio a um contexto de inflação mais forte, juros mais altos e dificuldades no mercado de trabalho.
"A trajetória do varejo continuou bastante claudicante nos últimos meses", definiu Cristiano Santos, gerente da pesquisa do IBGE.
O instituto informou que, em janeiro, o avanço de 0,8% foi puxado pela venda de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (3,8%) e de outros artigos de uso pessoal e doméstico (9,4%).
Santos destacou que o comércio farmacêutico vem colecionando sinais positivos nas últimas divulgações. Já a atividade de outros artigos subiu após forte queda em dezembro de 2021, revisada para -9,9%.
De acordo com o pesquisador, promoções podem ter beneficiado esse segmento em janeiro. O ramo de outros artigos reúne lojas diversas, como as de departamento.
No primeiro mês do ano, o segmento de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (0,3%) também registrou variação positiva no volume de vendas.
Por outro lado, houve recuos em cinco das oito atividades pesquisadas: tecidos, vestuário e calçados (-3,9%), livros, jornais, revistas e papelaria (-2%), móveis e eletrodomésticos (-0,6%), combustíveis e lubrificantes (-0,4%) e hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-0,1%).
Na visão de Santos, a recuperação do comércio é freada pela inflação, que atinge com força ramos como os de combustíveis e supermercados. "É um fator de relevância."
ALTA APÓS FORTE REVISÃO
A série de dados do varejo tem sido marcada por fortes revisões. Não foi diferente desta vez. Além de divulgar o resultado de janeiro, o IBGE atualizou números anteriores.
A queda das vendas do varejo em dezembro de 2021, por exemplo, ficou bem mais intensa com a revisão, passando de -0,1% para -1,9%.
Ao longo da pandemia, o instituto indicou que a crise sanitária trouxe muita volatilidade para as estatísticas e, por isso, provocou atualizações constantes e de grande amplitude.
O segmento de outros artigos de uso pessoal e doméstico puxou a revisão de dezembro, saindo de uma queda de 5,7% para uma retração de 9,9%.
Na série sem ajuste sazonal, o comércio varejista caiu 1,9% em janeiro, frente a igual período de 2021. Foi a sexta taxa negativa consecutiva. Nesse recorte, a projeção mediana do mercado era de recuo de 2,8%.
No acumulado de 12 meses até janeiro, o setor registrou aumento de 1,3%, apontou o IBGE. O dado é similar ao verificado até dezembro (1,4%).
Após a fase inicial da pandemia, o varejo passou a apostar na derrubada de restrições a atividades e na reabertura de lojas para se recuperar.
A retomada, contudo, vem sendo ameaçada pelo cenário de escalada da inflação, juros mais altos e renda fragilizada pela crise. Os fatores, em conjunto, reduzem o poder de compra da população.
GUERRA AUMENTA RISCOS
Conforme analistas, o combate à elevação dos preços tende a ficar mais complicado em razão dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia. Com a tensão do conflito, commodities agrícolas e o petróleo tiveram fortes altas no mercado internacional.
O temor é que esses avanços se espalhem ao longo das cadeias produtivas, atingindo, inclusive, o comércio.
Pressionada pela alta do petróleo, a Petrobras anunciou nesta quinta reajustes nos preços da gasolina e do diesel. Na gasolina, o aumento para as distribuidoras é de 18,8%. Em relação ao diesel, o avanço é ainda maior, de 24,9%.
Na visão da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a guerra "deve aumentar a pressão sobre os preços no varejo".
"As preocupações iniciais recaem sobre os impactos nos combustíveis diante da escalada do preço do petróleo", disse a entidade em relatório.
"Adicionalmente, o setor supermercadista o maior do varejo será potencialmente impactado por pressões de médio prazo decorrentes dos reajustes em commodities agrícolas e da eventual escassez de fertilizantes", completou.
A CNC também revisou de 0,9% para 0,5% a expectativa para as vendas do comércio em 2022. Conforme a entidade, os setores supermercadista e de combustíveis respondem por quase metade dos negócios anuais do varejo. Diante das ameaças da guerra, houve a revisão para baixo na previsão para 2022.
JUROS MAIS ALTOS
Em uma tentativa de frear a inflação, o BC (Banco Central) vem subindo a taxa básica de juros. Em fevereiro, a Selic chegou a 10,75% ao ano.
O mercado financeiro espera uma taxa maior até o final de 2022. A mediana da edição mais recente do boletim Focus, divulgada na segunda (7) pelo BC, indica Selic de 12,25%. Já há instituições projetando juros acima de 13% até dezembro.
O efeito colateral da Selic mais alta é o aumento do chamado custo do crédito no país. Empréstimos mais caros jogam contra o consumo, especialmente de bens com maior valor.
"Com alimentos e combustíveis subindo e juros maiores, o ano vai ser difícil para o comércio varejista", prevê Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
"Estamos em ano eleitoral. Naturalmente, as pessoas ficam mais cautelosas e tendem a buscar menos financiamentos", acrescenta.
No varejo ampliado, que inclui veículos, motos, peças e material de construção, o volume de vendas recuou 0,3% em janeiro, frente a dezembro, informou nesta quinta o IBGE.
Em relação a janeiro de 2021, o varejo ampliado caiu 1,5%. O acumulado em 12 meses registrou crescimento de 4,6%.