RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Dez florestas consideradas patrimônio mundial já emitem mais carbono do que absorvem e contribuem para a mudança climática no planeta, sendo a principal causa disso os incêndios, concluiu um estudo inédito feito pela Unesco (braço de educação, ciência e cultura das Nações Unidas).

Os cientistas calcularam pela primeira vez a quantidade de CO2 sugada, armazenada e lançada na atmosfera nos últimos 20 anos pelas 257 áreas ao redor do mundo que são protegidas por sua importância natural e cultural para a humanidade.

O dado foi divulgado às vésperas da COP26, a 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. O encontro começa no domingo (31) e vai até 12 de novembro em Glasgow, na Escócia, reunindo 196 países numa tentativa de avançar no combate ao aquecimento global.

O resultado do estudo surpreendeu os pesquisadores positiva e negativamente. Por um lado, descobriu-se que essas florestas são responsáveis por absorver 230 milhões de toneladas do gás anualmente. Por outro, constatou-se que elas também emitiram cerca de 40 milhões de toneladas por ano nesse período.

Subtraindo um valor do outro, o saldo é de 190 milhões de toneladas retiradas da atmosfera todos os anos por essas áreas protegidas, o que equivale a metade das emissões anuais do Reino Unido por combustíveis fósseis.

Na lista das dez florestas com saldo negativo estão parques famosos como o do Grand Canyon e o de Yosemite, nos Estados Unidos, além de áreas em Honduras, Indonésia, África do Sul, Malásia, Rússia, Mongólia, Austrália e na ilha caribenha Dominica. Patrimônios brasileiros não aparecem.

"Já esperávamos que alguns locais não tivessem absorvido tanto carbono, porque sabemos que parte deles está em perigo. Mas descobrir que alguns já emitem mais do que absorvem foi uma surpresa", diz o pesquisador Tales Resende, um dos coautores do relatório.

Os cientistas chegaram a esses resultados por meio de dados de satélites coletados por um outro estudo a nível global, do World Resources Institute. Foi usado um algoritmo que permite calcular as emissões de carbono causadas pela perda da cobertura de árvores.

A partir daí, eles cruzaram as informações com centenas de relatórios de monitoramento local produzidos pela Unesco anualmente nessas áreas protegidas. Assim, puderam fazer correlações entre picos de emissões e eventos que ocorreram em cada ano, chegando às causas do problema.

"A grande maioria dessas 40 milhões de toneladas de carbono emitidas anualmente pela florestas é ligada a eventos climáticos extremos, principalmente incêndios, mas também outros como furações", explica Resende. Ações humanas diretas com o desmatamento ilegal também contribuem, mas em menor escala.

Funciona assim: a árvore estoca carbono em sua biomassa durante toda a sua vida. Quando ela queima ou cai, por exemplo, esse carbono armazenado vai para a atmosfera como CO2. Se isso acontece em grande escala, portanto, gera picos de emissões visíveis.

O pesquisador lembra de um grande incêndio na Sibéria em 2016 e outros três ocorridos na Austrália em 2019 e 2020 —onde cada um emitiu mais carbono do que a Bolívia emite em um ano.

"O impacto que mudanças climáticas têm a nível de CO2 e a vulnerabilidade das florestas nos surpreendeu. Basta um evento climático desses para que elas se tornem fontes de carbono", afirma ele.

E isso gera um ciclo vicioso. Queimadas significam mais emissão de carbono, que eleva as temparaturas e aumenta o risco de mais queimadas. "É necessária toda uma reflexão sobre o papel e as consequências dos incêndios florestais", conclui.