Um dia depois, parte dos mortos em operação no Rio ainda não chegou ao IML
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sexta-feira, 07 de maio de 2021
JÚLIA BARBON E IGOR SOARES
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Um dia após a operação policial mais letal do Rio de Janeiro, que terminou com 25 mortos na comunidade do Jacarezinho, há corpos que ainda não foram levados ao IML (Instituto Médico Legal) para serem periciados. Famílias aguardam para identificá-los em frente à unidade.
Segundo a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a direção do instituto informou que 19 mortos haviam chegado até a manhã desta sexta (7). O grupo divulgou uma lista com 14 nomes, com idades de 18 a 43 anos (veja abaixo).
Até a noite desta quinta (6), o único corpo que havia sido periciado era o do policial André Frias, 48, que foi atingido na cabeça e chegou a ser socorrido no hospital, mas não resistiu. "Ontem saímos daqui às 20h e o IML funciona até as 19h, e era o único corpo", disse a advogada Patrícia Felix Padula.
A Secretaria Municipal de Saúde confirmou que nem todos os mortos que foram levados a hospitais municipais durante a operação foram retirados dos necrotérios até o momento. O número informado pela pasta por volta das 11h, porém, não batia com os números do IML, que é subordinado à chefia da Polícia Civil.
A prefeitura diz que 13 das 20 pessoas que já chegaram mortas ao Hospital Souza Aguiar, no Centro do Rio, permaneciam na unidade até esse horário. "Os demais [7] foram retirados pela Defesa Civil e levados para o IML esta manhã".
Outras duas vítimas tiveram como origem o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier (zona norte): o policial que morreu durante o atendimento e um paciente que já chegou morto, segundo a secretaria. Outras três pessoas feridas foram a hospitais municipais e receberam alta.
Segundo o advogado da comissão da OAB, Rodrigo Mondego, a demora pode ter ocorrido pela falta de "rabecões", veículos que transportam mortos. Ele diz que só havia um disponível, onde só caberiam cerca de quatro corpos por vez, e que no IML também há poucos peritos.
"Primeiro esses corpos não deveriam ter ido para o hospital, porque estavam mortos. Deveriam ter sido levados diretamente para o IML", afirma. "O procedimento no caso do policial foi correto, não há estranheza. Mas no caso dos outros mortos é uma demora não usual."
Mortos identificados até o momento, segundo Comissão de Direitos Humanos da OAB:
Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos Francisco Fabio Dias Araujo Chaves, 25 anos Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos Jhonatan araujo da silva, 18 anos John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos Jorge Jonas do Carmo, 31 anos Marcio da Silva, 43 anos Marcio Manoel da Silva, 41 anos Mauricio Ferreira da Silva, 27 anos Raul Barreto de Araujo, 19 anos Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos Romulo Oliveira Lucio, 20 anos Toni da Conceição, 30 anos Wagner Luis de Magalhaes Fagundes, 38 anos A reportagem perguntou à Polícia Civil para onde foram levados os 3 dos 25 corpos que não estavam em hospitais municipais nesta quinta e onde estão os seis corpos que não ainda estão no IML até o momento.
Também indagou sobre a demora no transporte e identificação dos mortos e pediu a confirmação dos nomes divulgados pela OAB. A corporação não respondeu até a publicação deste texto.
Questionada sobre a existência de corpos decorrentes da operação no Jacarezinho em hospitais estaduais, a Secretaria de Estado de Saúde informou que não consegue levantar essa informação sem os nomes dos pacientes e das unidades.
O andamento da investigação do caso é uma das preocupações da Defensoria Pública e da Comissão de Direitos Humanos da OAB. "Vamos exigir perícia independente neste caso. Não é possível que a Polícia Civil investigue a si mesmo numa chacina dessa dimensão", disse nesta quinta Nadine Borges, presidente do grupo da OAB.
A Defensoria afirmou que alguns dos locais em que ocorreram as mortes na favela do Jacarezinho foram desfeitos antes da realização de perícia da Divisão de Homicídios.
A defensora Maria Júlia Miranda, que esteve no local, afirmou que houve alteração da cena do crime em ao menos três pontos. Duas delas ocorreram dentro de residências e outra num beco em que um homem foi morto, segundo ela, numa cadeira de plástico.
"Numa casa, a família foi tirada e morreram dois rapazes na sala. A sala está repleta de sangue e partes de corpo. Elas foram tiradas de dentro dessas casas já mortas. É desfazimento de cenas de crime", disse Miranda.
A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar as mortes em decorrência das intervenções policiais por meio da Delegacia de Homicídios da Capital, que tem um núcleo especializado no tema. A unidade é subordinada ao Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa.
Nesta quinta, horas após a operação e antes das apurações serem concluídas, o diretor-geral do departamento afirmou que "não houve execução e que houve uma necessidade real de um revide a uma injusta agressão", acrescentando que "a ação é legítima desde o início até o final dentro de total legalidade".
O Ministério Público do RJ também disse que investigará paralelamente denúncias de abusos na incursão. Em nota, informou que o canal de atendimento do plantão permanente "recebeu, nesta tarde, notícias sobre a ocorrência de abusos relacionados à operação em tela, que serão investigadas".

