SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O patrimônio artístico da Ucrânia corre o risco de afundar no bilionário mercado ilícito de arte, sugere a escritora e historiadora da arte Maya Asha McDonald em artigo publicado na quinta-feira (10) no portal americano Artnet.

Ela lembra quando esteve frente a frente com o presidente russo Vladimir Putin em 2019. E cita o desconforto que sentiu quando ouviu que ele gostaria de saber sobre o que ela achava "da rica história artística da Rússia".

A partir do seu histórico, McDonald conclui que Putin vê a tradição russa como superior, o que se estenderia para sua visão de nação e de um consequente poder em desmantelar um povo, como o ucraniano, ao saquear sua cultura.

A autora cita casos que remontam à anexação da Criméia, em 2014. Durante o conflito no local, foram reportados 15 ataques com mísseis antitanque ao Museu Regional de História Local de Donetsk, que destruíram cerca de 45 mil artefatos arqueológicos ou artísticos, cerca de 30% da coleção total. Também houve relatos de saques de pelo menos 1 milhão de artefatos ligados à história russa ou à Igreja Ortodoxa, segundo um ministério ucraniano.

Na guerra atual, as tropas russas já incendiaram o museu de Ivankiv, na região de Kiev. Além disso, a ocupação de Donbas, no sudeste da Ucrânia, colocaria em risco mais de 140 museus. Dentre eles, o Museu de Arte Regional de Donetsk, que abriga diversos ícones bizantinos raros que datam do século 3º.

"Pela minha interação limitada com Putin, tenho quase certeza de que ele vai querer esses tesouros em solo russo", afirma McDonald.

Ela relembra ainda a presença de obras do artista Ilya Repin, morto em 1930, em solo ucraniano. Ele já teve quadros leiloados por mais de US$ 7 milhões e tem peças expostas na Galeria Estatal Tretyakov e no Museu Estatal Russo.

O temor maior é do que pode ocorrer no mercado ilícito de arte, que movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano, segundo estimativas da Unesco. Com a anexação da Criméia, oligarcas russos -alguns, próximos a Putin, como Viktor Vekselberg- sofreram sanções da União Europeia e dos Estados Unidos.

Já em 2020, os EUA acusaram outros bilionários, os irmãos Arkady e Boris Rotenberg, de comprar obras de arte caras como instrumento para lavagem de dinheiro, para além das sanções. Ambos são próximos a Putin, além de serem parceiros dele na prática de judô.

A aproximação da imagem de Putin a esse universo seria reforçada ainda pelo fato de, em 2014, o presidente ter presenteado o Museu Hermitage em seu 250º aniversário com um suntuoso ovo Fabergé. Entretanto, a peça virou o centro de uma disputa fiscal entre o Reino Unido e o oligarca russo Alexander Ivanov, que arrematara a peça num leilão na Christie's de Londres em 2007 por £ 8,9 milhões. O ricaço estaria devendo impostos sobre o valor agregado sobre o ovo e outras peças que comprou.

Essa ação, entre outras, confirmaram um movimento de recuperação de itens da história russa vendidos pelos bolcheviques durante as décadas de 1920 e 1930.

Com isso, McDonald sugere que nações de todo o mundo encerrem o intercâmbio cultural com a Rússia, dizendo que "não há razão para exportar e elevar emblemas do imperialismo russo".

Cita, por fim, que sites de muitos museus ucranianos estão fora do ar, o que impede checar listas detalhas dos itens. E diz que é necessário ficar atento para "futuros esforços de restituição".