SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Autoridades russas e ucranianas trocaram acusações, neste sábado (5), em torno do não cumprimento de acordo para cessar-fogo parcial na Ucrânia. Mais cedo, Moscou disse que interromperia ataques para estabelecer os chamados corredores humanitários e permitir a fuga de civis.

O desrespeito ao período de trégua fez a Ucrânia adiar o plano para retirada de pessoas nas cidades de Mariupol e Volnovakha, no sudeste do país. Em meio à troca de acusações, autoridades ucranianas afirmam que as negociações com Moscou para a saída de civis continuam.

Os ataques colocam a viabilidade de um cessar-fogo em dúvida. Também neste sábado, o presidente russo, Vladimir Putin, disse em conversa televisionada com funcionárias da companhia estatal aérea Aeroflot que busca "destruir parcialmente" as Forças Armadas ucranianas.

O acordo entrou em vigor, em tese, às 10h no horário de Moscou (4h em Brasília) e incluía somente Mariupol e Volnovakha, que estão cercadas pelas forças russas. Ainda pela manhã, entretanto, o Legislativo de Mariupol acusou as tropas russas de não respeitarem o prometido. "Estamos negociando com o lado russo para confirmar o cessar-fogo em toda a rota de retirada", disse em comunicado.

Mais tarde, a prefeitura da cidade pediu aos moradores que retornassem aos abrigos "por razões de segurança". Em Volnovakha, a retirada de civis também foi frustrada. De acordo com a ministra para Territórios Ocupados, Irina Vereshchuk, a região foi alvo de bombardeios que impediram o deslocamento.

"Apelamos à Rússia que acabe com o bombardeio e devolva o cessar-fogo para que crianças, mulheres e idosos possam deixar os assentamentos", disse Vereshchuk, segundo o jornal Pravda da Ucrânia.

Moscou, por sua vez, diz que o acordo não foi cumprido pelos ucranianos. Na conversa com as funcionárias da Aeroflot, Putin negou que forças do país tenham interrompido o cessar-fogo.

O presidente russo acusou "bandidos e neonazistas ucranianos" de impedirem as pessoas a saírem das cidades. "Estamos em negociação", disse, sobre as conversas das delegações russa e ucraniana que ocorreram na Belarus.

Mikhail Mizintsev, chefe do Centro de Comando de Defesa Nacional da Rússia, reiterou a posição de Putin e disse que trégua foi interrompida por "nacionalistas ucranianos". "Posições das Forças Armadas foram bombardeadas em Mariupol e houve disparos contínuos em Volnovakha", disse. "Um prédio residencial foi explodido em Mariupol e até 200 pessoas podem estar sob os escombros, incluindo idosos e crianças".

Ele disse ainda que a Rússia cumpriu com todos as condições estabelecidas para o cessar-fogo e que as Forças Armadas ucranianas aproveitaram a pausa para se reagrupar. Em Mariupol, a operação para retirada dos moradores estava prevista para começar às 11h (6h em Brasília). Nesta sexta (4) o prefeito da cidade, Vadim Boichenko, disse que a região era alvo de "ataques implacáveis" e que estava "bloqueada" pelos militares russos. Os moradores estão sem água e eletricidade desde quinta (3).

"Por enquanto estamos procurando soluções para os problemas humanitários e todas as formas possíveis de tirar Mariupol do bloqueio", disse Boichenko. Além da retirada de civis, autoridades também planejavam levar remédios e outros suprimentos básicos à cidade.

O governo ucraniano pretendia auxiliar a retirada de cerca de 200 mil pessoas em Mariupol e de outras 15 mil em Volnovakha. Ainda não há informações sobre quantas conseguiram deixar as cidades. Segundo a RIA, agência russa de notícias, os civis teriam cinco horas para cruzarem os corredores humanitários.

Considerada estratégica por Moscou, Mariupol é uma cidade portuária no sudeste da Ucrânia localizada a 150 km de Rostov-do-Don, a principal cidade do sul da Rússia. Ela foi atacada desde o primeiro dia da guerra e é um porto importante no mar de Azov, uma divisão secundária do mar Negro. A cidade também é considerada o último ponto de resistência a evitar o estabelecimento de uma ponte terrestre unindo Rostov à Crimeia, anexada em 2014 por Putin.

Rússia e Ucrânia haviam concordado em estabelecer os corredores humanitários na quinta (3), durante encontro de delegações dos dois países para negociações na Belarus. Neste sábado, apesar das trocas de acusações, o conselheiro do Ministério do Interior ucraniano, Anton Heraschenko, disse que mais acordos devem ser estabelecidos para a implementação de novas rotas de saída em outros territórios do país.

O chanceler russo, Serguei Lavrov, também disse ter discutido com seu contraparte belarusso, Vladimir Makei, o estabelecimento de outras rotas, segundo a agência RIA.​ Lavrov disse ainda que as declarações em tom irritado do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, não inspiram otimismo sobre o destino das negociações para encerrar a guerra na Ucrânia.

Mais cedo, o chanceler da Ucrânia, Dmitro Kuleba, havia se colocado aberto a conversas com Lavrov, mas apenas se tais negociações fossem "significativas". Já houve duas rodadas de negociações entre os lados até agora, ambas sem sucesso em deter a invasão ucraniana.

Corredores humanitários ou zonas de segurança implicam cessar-fogo, algo que, como visto na guerra da Bósnia nos anos 1990, é um instrumento muito precário. Além disso, podem ser utilizados para desocupar áreas de civis potencialmente hostis a invasores, sem garantias de que um dia voltarão para suas casas.

O movimento pode facilitar a eventual ocupação militar de territórios e favorecer o plano presumido de Putin de remover a área da soberania ucraniana. Embora a Rússia tenha anunciado o cessar-fogo parcial, forças de Moscou continuaram com suas ofensivas durante a madrugada, com bombardeios sobre Kiev.

Autoridades pediram que os moradores da capital permaneçam em abrigos e alertaram para o risco de confrontos nas ruas da cidade.​ Em Bucha, próximo a Kiev, tropas russas foram acusadas de abrir fogo contra veículo de civis, segundo a mídia local. Duas pessoas teriam morrido no ataque, incluindo uma jovem de 17 anos, e outras quatro teriam sido feridas.

Também neste sábado as tropas de Putin ocuparam o prédio da Câmara Municipal de Energodar, segundo divulgou o líder da cidade, Dmitro Orlov, para quem oo município —onde fica a usina de Zaporíjia, tomada por russos nesta sexta (4)— continua sob controle ucraniano.

Em outra planta nuclear, a de Tchernóbil, o mesmo grupo de funcionários trabalha há dez dias em turnos, desde que os militares de Moscou tomaram o local, segundo a mídia ucraniana. Eles estão "cansados mentalmente e fisicamente", relatou o prefeito de Slavutich, Iuri Fomichev.

A cidade de Chernihiv, ao norte, também é alvo de bombardeios constantes. Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa russo, disse que mais de 2.000 equipamentos da infraestrutura militar ucraniana foram destruídos desde o início da guerra, segundo a agência Interfax.

Segundo ele, foram atingidos 66 aviões da Ucrânia em solo e outros 16 no ar, 708 tanques de guerra e outros tipos de blindados, 74 lançadores de foguetes, 261 armas de artilharia, 505 veículos militares especiais e 56 drones. Os números, porém, não podem ser confirmados de maneira independente.

Konashenkov disse ainda que as forças da Rússia fazem uma "ofensiva ampla" na Ucrânia.

Forças de defesa ucraniana, por sua vez, afirmaram que derrubaram um helicóptero russo. O vídeo da ação foi divulgado pelo perfil oficial do Ministério da Defesa ucraniano. Nas imagens, a aeronave é atingida por um míssil e explode. O local e a data do ataque, porém, não foram informados.

Até esta sexta, mais de 1,3 milhão de pessoas já tinham fugido da Ucrânia desde o início da invasão russa, segundo dados do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados). A Polônia é de longe o país que mais vem acolhendo refugiados do conflito.