SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Mísseis russos atingiram os arredores do aeroporto de Lviv na manhã desta sexta-feira (18), acusaram autoridades ucranianas, no que seria o primeiro ataque de Moscou contra a cidade no oeste da Ucrânia. Lviv fica a cerca de 70 quilômetros da fronteira com a Polônia, país membro da Otan, a aliança militar ocidental.

Ao menos três explosões foram ouvidas, mas não há registro de vítimas, segundo o prefeito Andrii Sadovi. "Vários mísseis atingiram uma oficina de reparo de aviões. O edifício foi destruído. O funcionamento da fábrica já havia sido suspenso, então não há vítimas no momento", escreveu ele no Facebook. Moscou não comentou o ataque e nega mirar civis.

Com Kiev cercada por forças da Rússia, órgãos e embaixadas que atuavam na capital ucraniana (incluindo a do Brasil) se mudaram para Lviv, que também é a principal porta de saída dos que fogem das batalhas a leste.

A Rússia vem ampliando o raio de ataques. No domingo (13), bombardeou instalações militares na região, uma base utilizada pela Ucrânia em conjunto com a Otan, em um ataque que deixou dezenas de mortos —35, nas contas ucranianas, e 180 nas da Rússia, que classificou as vítimas de "mercenários estrangeiros".

Ataques russos próximos à fronteira com a Polônia são especialmente preocupantes pois o país vizinho é membro da Otan —e tem adotado uma retórica inflamada. Segundo o artigo 5º do tratado da aliança militar, a organização é obrigada a defender qualquer Estado membro que for atacado, algo que gera temores de uma Terceira Guerra Mundial.

Na capital, uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas quando partes de um míssil russo atingiram mais um prédio residencial, na parte norte da cidade, de acordo com autoridades locais.

Os ataques ocorrem no mesmo dia em que Joe Biden e Xi Jinping se falaram por telefone pela primeira vez desde que a guerra eclodiu. Na conversa, o líder chinês criticou as sanções impostas à Rússia e defendeu o fim rápido do conflito; o presidente americano disse que Pequim arcará com "consequências" se der auxílio a Vladimir Putin.

Washington, que nesta semana anunciou US$ 800 milhões em nova ajuda militar a Kiev, tem a preocupação de que a China esteja "considerando ajudar diretamente a Rússia com equipamentos militares para uso na Ucrânia", disse o secretário de Estado Antony Blinken.

Biden descreveu Putin como um "ditador assassino" nesta semana.

Até agora, a China vem trilhando uma linha cautelosa em público, abstendo-se de apoiar ou rejeitar resoluções da ONU que condenaram a Rússia, recusando-se a se referir ao ataque como uma invasão e repetindo críticas ao Ocidente.

O país diz que reconhece a soberania da Ucrânia, mas que a Rússia tem preocupações legítimas de segurança que devem ser abordadas. ​Uma autoridade do Ministério das Relações Exteriores da China se reuniu nesta semana com o embaixador russo no país para discutir combate ao terrorismo e cooperação em segurança, afirmou a pasta.

"Pequim fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar ter que tomar partido abertamente, mas seu relacionamento com a Rússia, antes relativamente livre de custos, tornou-se complicado e agora está expondo a China a crescentes riscos geopolíticos, econômicos e de reputação", diz Helena Legarda, analista-chefe do Instituto Mercator para Estudos da China.

Enquanto isso, continuam os ataques em solo ucraniano. Pela madrugada, sirenes de alarme para bombardeios foram disparadas em Kiev, Kramatorsk, Kharkiv e Odessa, no mar Negro. Na segunda, uma pessoa teria morrido e 11 ficado feridas em um ataque a um prédio de ensino. Entre as cidades mais atingidas até agora está Mariupol, um porto estratégico no Mar de Azov, cercada há duas semanas.

Todos os olhares estão voltados para um teatro bombardeado na quarta-feira (16), onde estariam civis buscando proteção. Os moradores começaram a retirar os escombros e resgataram 130 sobreviventes, segundo as autoridades ucranianas, que diziam ser possível haver 1.300 pessoas sob os escombros. A ONG Human Rights Watch, que acompanha o local, confirma que o edifício tinha ao menos 500 deslocados internos da guerra.

Os números não puderam ser checados de forma independente.

Quase 30 mil pessoas conseguiram sair de Mariupol na última semana, e os relatos descrevem um cenário grave, com falta de água, energia elétrica e gás, o que obrigou muitas pessoas a beber neve derretida ou a fazer fogueiras para cozinhar o pouco que há de comida.

O ministério da Defesa russo afirmou nesta sexta-feira que o Exército do país e seus aliados separatistas estão em combate no centro da cidade portuária. "Em Mariupol, as unidades da [autoproclamada] República Popular de Donetsk, com o apoio das forças russas, estreitam o cerco e combatem os nacionalistas no centro da cidade", afirmou o porta-voz da pasta, Igor Konashenkov.

Mesmo com as sanções econômicas aplicadas por países ocidentais e a pressão internacional, após três semanas de ofensiva Moscou não dá sinais de flexibilização, apesar das negociações entre os dois lados.

O negociador-chefe da Rússia, Vladimir Medinksi, disse que os dois lados estão "na metade do caminho" para chegar a um acordo em que Kiev aceite salvaguardas de segurança para renunciar à adesão à Otan, objetivo central da guerra russa contra o vizinho.

Putin afirma que a ofensiva é um "sucesso", e seu porta-voz, Dmitri Peskov, afirmou que "a maioria esmagadora" dos russos apoia as ações do presidente. Os demais são "traidores", disse.

Num esforço de propaganda, Moscou transformou a celebração do aniversário da anexação da Crimeia, ocorrida em 2014, em um evento em favor da guerra na Ucrânia. Os telões no estádio Lujniki, em Moscou, colocavam as palavras "Rússia", "Crimeia" e "Donbass" (área russófona reconhecida como país por Putin, cuja proteção foi a desculpa para a invasão do vizinho) juntas, antes da mensagem: pelo presidente.

Em russo, a frase é "Za presidenta", mas a letra "z" não existe no cirílico. Os organizadores, contudo, usaram a letra latina, símbolo da invasão, pintada em veículos militares na Ucrânia. Na plateia, havia faixas dizendo "por Putin" (Za Putina), com o "Z" nas cores da faixa de São Jorge, símbolo militar russo.

Em terra, no entanto, o avanço parece estagnado, e a Rússia recorre cada vez mais a ataques aéreos e de longo alcance para obter vantagem. De acordo com cálculos do Pentágono, Moscou já disparou mais de mil mísseis na guerra. Segundo o Ministério da defesa do Reino Unido, em uma atualização diária da inteligência militar, "as forças russas fizeram progressos mínimos esta semana".

"As forças ucranianas em torno de Kiev e de Mikolaiv continuam a frustrar as tentativas russas de cercar as cidades. Kharkiv, Tchernihiv, Sumi e Mariupol seguem cercadas e sujeitas a bombardeios pesados."

As Nações Unidas, que monitoram o conflito, confirmaram até aqui 816 mortes de civis. Pelo menos 58 das vítimas seriam crianças. Outras 1.333 pessoas ficaram feridas nos ataques, sendo 68 delas crianças. A maioria das mortes foi causada por armas explosivas.