SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, decidiu nesta segunda-feira (25) não expulsar mais os dez embaixadores ocidentais que haviam manifestado apoio a um opositor do governo, aliviando assim uma das maiores crises diplomáticas dos 19 anos do turco no poder.

No sábado (23), Erdogan havia dito que declararia "personae non gratae" os embaixadores de Estados Unidos, Canadá, França, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Noruega e Suécia, que se mobilizaram a favor de Osman Kavala, preso há quatro anos sem julgamento. Em comunicado conjunto divulgado na segunda-feira anterior (18), os diplomatas pediram "uma solução justa e rápida" para o caso do opositor.

Para o presidente, o texto constituía um "ataque" e um "enorme insulto" contra a Justiça turca. "Nossa intenção não era provocar uma crise, mas proteger nossos direitos, nossa honra, nosso orgulho e nossos interesses soberanos", afirmou.

Agora, porém, os diplomatas "voltaram atrás" e "serão mais prudentes no futuro", declarou o presidente turco após uma longa reunião de seu governo que poderia confirmar a expulsão.

Em comunicados divulgados no Twitter, as embaixadas envolvidas afirmaram agir "conforme a Convenção de Viena e seu artigo 41", que enquadra as relações diplomáticas e proíbe interferência nos assuntos internos do país anfitrião.

"Com o novo comunicado feito pelas mesmas embaixadas hoje, um passo atrás foi dado em relação a esta calúnia contra nosso país e nossa nação. Acredito que esses embaixadores serão mais cuidadosos em suas declarações sobre os direitos soberanos da Turquia", disse o presidente.

Este primeiro sinal de apaziguamento causou um rápido aumento da lira turca, que iniciou o dia com uma mínima histórica.

A tensão com aliados poderia atrapalhar a agenda internacional de Erdogan para o próximo fim de semana, já que, no próximo sábado (30), ele participa da reunião do G20, grupo dos países mais ricos do planeta, em Roma, na Itália. No domingo (31), estará na COP26, conferência sobre o clima da ONU, em Glasgow, na Escócia.

Erdogan espera se encontrar com o presidente americano, Joe Biden, na capital italiana. As relações entre Ancara e Washington estão bastante frias, principalmente devido aos contratos de compra de caças F-35, que a Turquia pagou, mas não recebeu. Também pesa a compra de um sistema de defesa aérea russo S-400 por parte da Turquia, que é um país-membro da Otan, contrariando a pressão americana.

Depois que a embaixada americana recuou no comunicado, o porta-voz do Derpartamento de Estado dos EUA, Ned Price, afirmou que o país continuará "promovendo o Estado de direito e o respeito aos direitos humanos globalmente". "Acreditamos que a melhor forma de avançar é através da cooperação em temas de interesse mútuo e sabemos que temos muitos assuntos de interesse mútuo com a Turquia", disse a jornalistas.

Segundo alguns analistas, o anúncio de Erdogan tem como objetivo "criar uma distração", no momento em que a Turquia atravessa uma dura crise econômica, com uma taxa oficial de inflação de 20% e sua moeda com forte desvalorização.

Para Didier Billion, vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS, na sigla em francês), especialista no país, talvez o "ministro das Relações Exteriores da Turquia tenha conseguido trazer [Erdogan] para a realidade: a Turquia não poderia ficar contra seus principais parceiros". "Agora, será difícil gerenciar isso com o seu eleitorado", diz o especialista, para quem Erdogan não saiu fortalecido do episódio.

Hasni Abidi, professor de relações internacionais da Universidade de Genebra e diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo Árabe e o Mediterrâneo (Cermam), afirma que com a pressão sobre as embaixadas estrangeiras o presidente fala especialmente para sua base e os nacionalistas que "apoiam as acusações de conspiração do chefe de Estado". "Não estou seguro de que Kavala tenha obtido algum benefício com a midiatização" de seu caso, afirma o professor.

Já Timur Kuran, professor de economia e de ciência política na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, afirma que "Erdogan não pode permitir a libertação de Kavala agora, pois o faria parecer frágil". "Kavala está virando um herói internacional, uma espécie de Navalny turco", diz

Osman Kavala, rico empresário e filantropo de 64 anos nascido em Paris, está preso desde 2017. Há duas acusações para a detenção. A primeira, da qual foi Kavala absolvido em fevereiro, dizia que ele tentou desestabilizar a Turquia em 2013, quando ocorreram protestos pelo país. Depois da absolvição, porém, ele foi detido novamente, desta vez acusado de ter participado da tentativa de golpe contra Erdogan em 2016.

O opositor, que sempre negou as acusações apresentadas contra ele, comparecerá a uma audiência em 26 de novembro. Em dezembro de 2019, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) exigiu a "libertação imediata" de Kavala, mas sem sucesso.