SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veem conexões entre disparos em massa de WhatsApp durante a campanha de 2018 e a milícia digital ligada ao governo federal, mas a cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão é considerada pouco provável.

Em 16 de setembro, o ministro Alexandre de Moraes compartilhou provas reunidas nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos do Supremo Tribunal Federal (STF), que investigavam ataques coordenados contra integrantes do Supremo e financiamento de ações contra as instituições. O inquérito dos atos antidemocráticos foi extinto em julho, dando lugar a uma nova investigação sobre milícias digitais.

Moraes atendeu ao pedido do ministro Luis Felipe Salomão, corregedor-geral eleitoral que é o relator das duas ações de investigação judicial eleitoral (Aije) sobre o uso de disparos em massa de WhatsApp para distribuir notícias falsas em favor do então candidato Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018.

A investigação do TSE foi iniciada após o jornal Folha de S.Paulo revelar a existência de um esquema bancado por empresários apoiadores de Bolsonaro, com uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir disparos em massa. Caso comprovados pela Justiça Eleitoral, esses atos relatados nas reportagens poderiam configurar abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação social, que podem levar à cassação da chapa e inelegibilidade de Bolsonaro e Mourão.

A maioria das provas provenientes dos inquéritos do STF se refere ao período pós-eleição. Mas, no material compartilhado com o TSE no mês passado, há evidências que indicam conexões entre o esquema atual de milícias digitais ligadas ao governo Bolsonaro e o dos disparos em massa na campanha eleitoral.

Na percepção de integrantes da corte, não seria difícil demonstrar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, dois elementos necessários para uma decisão a favor da cassação da chapa. Mas isso não basta, pois seria preciso demonstrar que houve conduta de tal maneira grave que pode ter interferido no resultado.

Dado que seria difícil demonstrar que o uso dos disparos em massa teve impacto suficiente para influenciar nas eleições, a possibilidade de cassação da chapa é considerada baixa. Além disso, na visão de integrantes da corte, não há condições políticas para uma decisão como essa.

Um cenário também em discussão é a possível divisibilidade da chapa. A tese foi tentada pela defesa do então presidente Michel Temer em 2017, no julgamento da ação eleitoral que pedia a cassação da chapa Dilma-Temer por suposto abuso de poder político e econômico na campanha de 2014.

Historicamente, quando há irregularidades em uma campanha, os dois integrantes da chapa sofrem as sanções. Mas a defesa de Temer argumentou pela separação, que seria inédita.

A chapa acabou absolvida, então os ministros não chegaram a decidir sobre a divisibilidade.

Na visão de integrantes do TSE, está na mesa a possibilidade de dividir a chapa —uma eventual cassação, nesse caso, afetaria apenas o presidente Bolsonaro, e não Mourão, com o argumento de que o vice não sabia das irregularidades.

Advogados ouvidos pela Folha, no entanto, acham muito improvável que a corte julgue as Aijes procedentes e que divida a chapa, cassando apenas Bolsonaro. Segundo eles, não há precedentes para isso e é praticamente impossível demonstrar que o possível abuso de poder econômico teria beneficiado apenas Bolsonaro, e não Mourão.

O ministro Salomão, relator das ações, está pressionando para que elas sejam pautadas para julgamento antes do fim de seu mandato na corregedoria, em 29 de outubro. Nessa data, quem assume a relatoria é o novo corregedor-geral eleitoral, Mauro Campbell Marques.

Salomão deve anunciar no dia 15 de outubro que as ações estão prontas para serem julgadas pelo plenário do TSE. Mas a data do julgamento depende do presidente da corte, Luis Roberto Barroso. Na visão de alguns assessores, Barroso tende a pautar o julgamento, e não adiar, considerando que as ações tramitam há quase três anos e já passaram por três relatores.

No entanto, uma possibilidade seria o julgamento começar e algum dos ministros pedir vista. Dessa maneira, a ação ficaria em suspenso, para que Bolsonaro seja mantido “na rédea curta”.

Ainda assim, a saída mais cogitada é usar o inquérito administrativo do TSE sobre fraude eleitoral para a mesma finalidade de manter os arroubos autoritários de Bolsonaro sob controle.

O inquérito administrativo foi aberto em agosto por sugestão de Salomão, para apurar a conduta de Bolsonaro, que vem afirmando que o sistema eleitoral é vulnerável a fraudes e minando a confiança na integridade do processo. O inquérito administrativo tem o objetivo de investigar redes que distribuem notícias falsas sobre o processo eleitoral e possível propaganda eleitoral antecipada e abuso de autoridade e poder econômico por parte de Bolsonaro. Também examinará as lives do presidente e uso da TV Brasil.

O plano é manter diligências no inquérito ao longo de 2022. Em última instância, a investigação poderia levar o Ministério Público ou algum dos partidos políticos a entrar com uma Aije, que poderia resultar na inelegibilidade de Bolsonaro.

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AS AÇÕES NO TSE

Aije 1771-28

Foi apresentada pela coligação O Povo Feliz de Novo (PT, PC do B e PROS) e questiona a contratação, por pessoas jurídicas, entre elas, a Havan, das empresas Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMSMarket, responsáveis pelo disparo em massa, via WhatsApp, de mensagens contra o PT e a coligação O Povo Feliz de Novo.

A ação aponta ainda a existência de uma “estrutura piramidal de comunicação” para disseminar desinformação via grupos originários da campanha dos representados ou grupos derivados de WhatsApp. A Aije, em fase de alegações finais, teve reaberta a fase de instrução em 10 de outubro de 2019.

Aije 1968-80

Foi ajuizada pela coligação O Povo Feliz de Novo e apresenta como fato a ser investigado a contratação da Yacows, Kiplix e AM4 Informática para a prestação de serviço de disparos em massa de mensagens de cunho eleitoral, pelo WhatsApp.

A coligação aponta uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir disparos em massa. Ainda segundo a ação, o suposto uso de robôs deve ser investigado. A Aije ainda cita que algumas das agências contratadas foram subcontratadas pela AM4. A ação está em fase de alegações finais. A reabertura da instrução foi determinada em 15 de outubro de 2019.